"Sentia que estava deitada no chão e ouvia as vozes deles. Entendi que estavam se revezando, mas eu não conseguia me mexer, só ouvia".

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores:
Querido ogro.

Eu fui uma criança linda. Do tipo que todo mundo quer apertar as bochechas. Tive uma infância rica, não de dinheiro, mas de família e de amor. Dos meus pais, dos meus irmãos, dos meus tios, primos, família grande. Rica de cultura, viagens, brinquedos... Enfim, feliz. Por que comecei assim? Porque aos 10 anos, comecei a virar mocinha, meus hormônios me traíram e fiquei desajeitada, grande demais pra minha idade, gorda e alta demais, seios crescendo, cabelo ficando ruim, miopia aumentando, óculos fundos de garrafa, quadris de quase adulta, toda roliça e meio CDF.

Daí pro “bullying” foi uma linha tênue. Virei uma espécie de “Mônica”: quando me xingavam, eu batia. Com lágrimas escorrendo, mas batia. Enquanto as meninas da minha sala eram as gatinhas que dançavam com todos os meninos e paqueravam e beijavam, eu batia neles porque pra eles eu era a “aberração”.

Com 13 anos, isso foi pra fora da escola. Minha sexualidade ainda não havia aflorado. Em casa tudo sempre foi às claras, então na teoria eu sabia tudo, mas ainda estava na fase de criança e o máximo que eu fazia era sonhar com os atores da TV e coisas bem piegas e inocentes. Depois ia pra rua brincar de queimada.

Nessa época, havia uma turma de meninos que andava de “bicicross”. Eles se reuniam na casa do menino que morava em frente à minha. Minha galera adorava freqüentar minha casa. Eu desenhava bem, todo mundo ganhava nota nos trabalhos em equipe então todos queriam fazer comigo. Minha casa tinha piscina e eu dava uns bailinhos. E no meu bairro tinham os bailinhos mais famosos da época. Só que neles eu nunca dançava, sempre ficava na cadeira ou servindo de cupido pra alguma amiga bonita. Eu era popular sim, mas era a gordinha legal para as meninas. Inteligente e talentosa. E a “aberração” pros meninos, que era brava e batia quando eles xingavam e botavam apelidos .

Nisso, as turmas foram se misturando e minhas amigas se encantando pela turminha de ”bad boys” que sempre estava na calçada da frente. O “líder” era o mais bonito. Começaram a perceber que eu o achava bonito e acharam algo de piada nisso. Contaram pra ele e milagrosamente ele começou a reparar em mim. Um dia, andando de bicicleta no bairro, ele veio atrás. Me parou, segurou a garupa da minha bike numa rua arborizada e disse que queria um beijo. Eu fiquei sem entender nada... Já ia xingar achando que ele estava me zuando. Ele desceu da bicicleta e paramos numa árvore. Eu nunca tinha beijado ninguém na vida. Sonhei várias vezes com esse momento, que seria romântico e perfeito. Mas assim que ele encostou os lábios nos meus e o beijo foi ficando mais gostoso, ele segurou minha mão e tentou colocar no pênis dele. Achei aquilo tão sem romantismo, mas tinha medo de que se eu reclamasse, ele ia parar de me beijar e eu voltaria a ser a aberração. Achei que perderia a graça pra ele. Me sentia inferior e achava que tinha que fazer o que ele quisesse já que não era bonita o suficiente pra ele gostar de mim... Aliás eu não entendia o que ele estava fazendo ali.

Me lembro que ele voltou rapidamente pra bike dele assim que acabou o beijo. Deu um sorriso e saiu. Eu fiquei confusa. Achando o máximo saber que o garotão bonito ficou afim de mim. Mas achei estranha aquela coisa da mão no pênis. Não combinava com aquele momento. Passada a euforia desse dia, depois de um tempo descobri que depois do beijo, ele encontrou os amigos da “gangue” na pracinha e ganhou uma caixa de cerveja como prêmio por ter beijado a “aberração CDF”.

Me senti tão humilhada que murchei mais que o normal. Nem bater mais nos meninos eu batia... Comecei a deixar pra lá. Esse beijo foi perto do meu aniversário e eu tinha ficado exultante, pois tinha acabado fazer 13 anos. Senti como um presente pra depois descobrir que não passou de uma aposta nojenta. Minha auto estima caiu mais ainda. E voltei a ser brava, mas sem bater.

Aquilo foi um baque muito grande pra mim... E nos meses que se seguiram, eu tentava ignorar a turminha da bike. Depois de 5 meses, houve uma festa de aniversário perto da minha casa, de uma amiga da escola. A festa seria na casa da diretora da escola, pois a aniversariante era muito amiga da família dela.

Fui à festa, mas tinha horário rígido pra chegar em casa. A turminha da bike estava lá e me senti traída. Fiquei emburrada na festa, buscando ajudar a servir coisas. Ficava na cozinha pra não ter q ver o cidadão na sala. Rolou bailinho no escuro e um dos meninos veio dizer que ele queria falar comigo. Perguntei porque não tinha vindo ele mesmo e disse que já que era pra mandar recado, que eu não queria falar com ele. Estava quase na hora de eu ir embora. Nove e meia da noite. Comecei a me despedir de todos e uma das meninas disse pra eu ligar pra minha mãe e pedir pra ela me deixar ficar até mais tarde pois eu estava ajudando na festa.

Liguei pra minha mãe e ela me deixou ficar mais uma hora. Foi quando eu me despedi e pedi pra uma amiga me acompanhar até a esquina, pelo menos. Não percebi que ela estava conversando com eles. Só sei que quando chegamos na esquina, ela me olhou com cara de desculpas e se afastou. Fiquei sozinha e de trás de uma árvore escura, saiu um dos meninos . O mesmo que na festa tinha sido garoto de recado. Eu disse de novo que não queria falar nunca mais com ele.

Foi quando ele saiu de trás da árvore segurou forte meu braço e disse que quem decidia isso era ele, que quem eu achava que era pra dispensar ele assim. Segurou meu braço nas costas e me fez andar... Eu desaprendi na hora como era que batia em um menino. Eu era grande e fortona, mas ele era maior que eu e se eu fosse bem esperta conseguiria correr, afinal eu estava na esquina da minha casa, praticamente.

Mas eu não consegui. E quanto mais eu me debatia, mais ele apertava meu punho e torcia meu braço. E me levou pra um terreno onde tem a estação de tratamento de água da cidade que ficava há uns três quarteirões da minha casa. Quando chegamos lá, vi que não estávamos sozinhos. O meu vizinho estava lá e um outro menino que era paquera da minha amiga.

O mais velho - o do beijo - me empurrou contra o alambrado e começou a me agarrar de forma violenta, a me dar uns beijos que hoje sei que são uns beijos mais “sexuais”, digamos assim. Mas que na época me fez ficar meio com nojo. Enfiou a mão embaixo da minha saia e coma outra segurava meus seios. E me lambia e babava. Eu comecei a escorregar pelo alambrado. Minhas pernas não tinham forças, eu queria chorar, mas a uma certa altura minha vista escureceu. Eu não enxergava mais nada. Sentia que estava deitada no chão e ouvia as vozes deles, mas não os via. Meus músculos doíam, eu estava toda retesada. E as investidas dele doíam demais.

Foi quando eu escutei ele me xingando e falando: “essa filha da puta tinha que ser virgem... vaca!”. Aí escutei outro falando: “deixa eu, agora”. E em seguida, o outro: “ Não, não.. depois sou eu”.

Entendi que eles estavam se revezando, mas eu não conseguia me mexer, só ouvia. Abri a os olhos o máximo que eu conseguia, mas só via escuridão. E o “bonitão” gritava: “Que merda, meu pinto não entra. Vaca, tinha que ser virgem, vaca?”.

Os três continuaram e me machucaram toda por fora, me lambuzaram com aquelas porras nojentas, se masturbaram em cima de mim. Um deles, depois de tentar me penetrar bastante sem conseguir, começou a se dar conta que eu não me mexia. Começou a ficar com medo. Eu devia estar com os olhos arregalados. Ele ficou me balançando apavorado, me pedindo pelo amor de Deus pra acordar, que ele tava ferrado, que ele tinha me matado.

Por dentro eu estava chorando. E dentro da minha cabeça eu reagia, eu batia nele como fazia com os outros moleques. Mas quando voltei a enxergar - e comecei a chorar - ele me levantou num puxão brusco e voltou a ficar “macho”. Eu vi os dois outros meninos fechando os zíperes das calças e me olhando com cara de desprezo. Minha meia calça estava nos joelhos, eu tava toda suja de terra, minha saia estava enrolada na cintura e eu estava toda gosmenta e fedida.

Eles saíram correndo e gritando que se eu contasse isso pra alguém eles me matariam. Um deles gritou pra eu avisar a minha amiga, que era apaixonadinha por um deles, que ela seria a próxima a ser pega.

E eu fiquei ali, sozinha. No escuro. Abaixei minha saia e fui andando com a meia calça rasgada lá pelos tornozelos. A rua estava deserta, já era uma da manhã. Minha mãe estava com uma prima andando pela rua, me procurando. A hora que ela me encontrou, eu estava parecendo uma múmia: não falava, não reagia! Ela me perguntava onde eu estava, super brava. Me puxou pelos cabelos , de uma lado pro outro, disse que eu queria matá-la de desgosto.

Eu só chorava. Quando chegamos em casa, minha vizinha fez minha mãe me soltar e disse que iria correr comigo pra delegacia. Minha mãe caiu em prantos. Mas foi comigo. Minha vizinha me disse pra não tirar a roupa e guardar minha calcinha num saquinho. Quando cheguei no quarto, minha irmã me xingou, disse que eu tinha feito nossa mãe passar mal, que eu era uma puta que ficava dando o rabo na rua enquanto nossa mãe quase foi pro hospital. Achei crueldade demais pra quem tem só 12 anos, mas... sei lá... ela nunca teve que passar por isso. Graças a Deus ela não entende como é alguém que você não quer te tocando.

Sei que todo mundo ficou sabendo da história no dia seguinte, pois eles foram procurados pela polícia. Foi um escândalo. Minha mãe esmurrou o moleque que morava na frente de casa, meu pai veio embora às pressas. Vendeu a nossa casa, não queria ficar na cidade e morando na frente do cara que fez isso com a filha dele. Nossa vida mudou... e não aconteceu nada com eles por serem menores de idade.

O caso aconteceu em outubro e vendemos a casa em dezembro. Logo, terminar o ano escolar foi uma tortura pra mim. Todos me olhando na escola, uns com escárnio, outros com desprezo, outros com descrença. Meu irmão mais velho passou a me levar e a me buscar na escola e eu não saia mais. Eu tomava vários banhos por dia e não encarava minha mãe. Falavam na escola e pela rua que eu tinha permitido, que eu queria sair com os três de uma vez mas fiquei com medo de apanhar da minha mãe, por isso tinha inventado a história.

Vários fatos decorreram desse. Tentei fazer terapia durante o resto do ano. Não tínhamos dinheiro pra pagar minha terapia, foi meio um favor de amigos. Eu fui enfrentando isso na raça... O pior foi ver o desespero da minha mãe ao ver a história dela se repetir, pois ela também passou por isso: um noivo fez isso com ela, só que ela engravidou. E disso nasceu meu irmão.

Foi uma mulher corajosa pra época dela.. católica demias.. não quis tirar a criança.. e vivia só pro meu irmão ateh conhecer meu pai.. que quando soube a história dela se encantou mais ainda pelos dois.. e registrou meu irmão como filho dele qdo eles se casaram.

Meu irmão, por ser fruto disso e saber, chorava todos os dias abraçado a minha mãe. E dizia que queria matar o cara que fez isso com a bonequinha dele. Assim como ele já quis matar o “genitor” dele, que ele nunca manifestou desejo de conhecer.

Na nova cidade, fizemos de tudo pra preservar a história. A psicóloga dizia que eu não podia contar pros outros. E eu achava que ela falava isso porque eu deveria me envergonhar. O tom dela não era aquele de quem estava apenas querendo que eu me preservasse. E eu passeei a ter vergonha dessa história. Mas ainda estava muito recente, eu chorava a qualquer hora.

Uma vez minha irmã deixou escapar na praça lotada de adolescentes que eu tava chorando por causa do menino que tinha me estuprado. Virei a PG - Puta Gorda. Assim, as meninas nordestinas preconceituosas e provincianas diziam que se os namorados, os meninos que tentavam coisas comigo porque achavam que eu não era mais virgem, ficassem comigo não era traição, já que eu era uma puta, já dava com essa idade.

E assim fui, escapando disso ora achando que tinha que ceder se quisesse algo com alguém, ora achando que nunca iam me querer direito. E escondendo as coisas porque achava que se meus pais soubessem dessas outras histórias, iriam se decepcionar comigo de novo. Voltei pra cidade da minha mãe pois a saúde dela piorou muito e nosso padrão de vida também, já que tínhamos vendido a casa. E eu trouxe pra mim mais essa culpa: meu pai vendeu nossa casa por causa de mim.

Fui resolvendo eu mesma meus traumas, conversando, ralando, me ferrando muitas vezes... Sem poder fazer terapia, algumas vezes surtei. Continuei virgem (sim pois eles não me penetraram) até os 21 anos. Tive a curiosidade normal da adolescência e me prometi que iria ser uma garota normal. Mas sempre tive um pouco dessa sombra, ainda tenho umas encanações mal resolvidas, mas nada que me impeça de viver. Não surtei nem transformei minha vida numa orgia por causa disso.

Travei por alguns anos, mas a cada travada eu pensava que era uma menina normal e varria isso pra debaixo do tapete. Tenho uma vida sexual sem maiores traumas, mas isso vai ficar marcado pra sempre. É minha história, prefiro pensar que eu a venci apesar de sobrar muita coisa dentro da gente. Acho que a cicatriz tá fechada, mas queria que tivesse sido de forma melhor. Já me ferrei muito, talvez por resquícios inconscientes da PG, da aberração e da menina que foi quase estuprada pelo cara que deu o primeiro beijo e seus amiguinhos de “orgia”. Mas isso ainda vai ser fichinha daqui uns anos, espero que consiga cada dia superar mais isso...

Minha querida resgatadora (no final entendera o porquê),

Teu relato é daqueles que dão um nó na garganta ao ler, pois não importa há quanto tempo tenha acontecido, sempre teremos casos semelhantes e igualmente revoltantes. E a revolta não é apenas com o fato em si e sim com as opiniões de quem tem acesso ao caso.

Recentemente uma menina de 15 anos foi estuprada por três adolescentes aqui na minha cidade. No dia do crime, uma matéria na TV local foi veiculada. Eu estava no bar do meu pai naquele dia e pude ver o quanto o pensamento-comum é machista, opressor e tende sempre a buscar elementos para minimizar o acontecido: “ah, ela era conhecida como a biscatinha do bairro”, “ah, mulher descente não se deixa colocar em situações de risco assim”, “ah, será que foi estuprada mesmo ou queria uma festinha e ficou com medo da família descobrir?”, “ah, isso é culpa dos pais que não educam a menina”. Isso foi apenas uma parte do que tive de ouvir aquele dia.

Briguei com quatro machistas do caralho por conta disso. Apontei o dedo na cara e disse que eram tão criminosos quanto aqueles que praticaram o ato. Sim, quem tem esse pensamento é tão criminoso quanto, pois são esses tipos que dão respaldo para os monstros agirem. São eles que minimizam o estupro, a violência doméstica, a pedofilia, o aliciamento de menores... pois são eles que dão espaço para que os crápulas ajam livremente, sem medo do “alheio”. Afinal, é normal uma menina ser estuprada por três moleques em plena luz da tarde (eram cerca de duas horas da tarde).

Quando aconteceu essa briga no bar, eu lembrei do seu caso. E o usei como exemplo. Perguntei aos idiotas se sabiam das conseqüências de um ato desse na vida de uma menina. Na vida de uma mulher. Na vida de um ser humano inocente. Não obtive resposta deles. Um deles é pai de três homens e não poderia saber, afinal, ele é reprodutor de “caças” e não de “caçadores”, né? Mas me doeu profundamente ver que o idiota causador disso tudo é pai de uma mulher e, pasme, avó de uma menina de 6 anos. Isso me deu medo...

Ninguém pensa no outro lado quando aponta o dedo para uma menina que sofreu uma violência dessa. E nesse caso específico daqui da cidade, ela “voltou atrás” na denúncia do estupro e disse que não aconteceu nada. Mas o fez por dois motivos: medo, pois o bairro é de periferia perigosa, e por ter aparentes problemas mentais. Ou seja: normal, né? Ou então é completamente normal uma adolescente voltar de uma festa entre “amigos” e ser atacada por três deles.

Teu relato extenso é daqueles tapas na cara de muita gente que apontou o dedo para várias outras meninas que se viram em situações iguais. Mostra o quão cruel o dedo da moral alheia pode ser. Mais cruel do que o próprio ato em si, pois igualmente deixa a vítima sem defesa e sem amparo. Quantas outras assim não sofreram caladas por não terem sequer o respeito necessário em casa? Na escola? Na sociedade?

Quantas vezes essa cena não se repetiu na sua cabeça? Quantas situações não foram parecidas a ponto de você recordar de detalhes que não gostaria de recordar? Um abraço de brincadeira de um amigo, sem malicia, se transforma numa inevitável lembrança. Um “vagabunda” dito na cama te faz se reprimir sexualmente na hora. Um simples andar por uma rua sossegada às seis da tarde te faz apertar o passo ao ouvir um galho cair da árvore.

Só que isso ninguém leva em conta na hora de apontar o dedo. Não pensam na família que teve de se readaptar por conta do acontecido. Não pensam na mãe que vê sua filha ser vítima de algo que ela mesma já sofreu na aurora de seus dias. Ignoram a dor do pai que vê, indefeso, sua filha ser duplamente violentada, ora fisicamente, ora moralmente. Que sociedade é essa?

Confesso que chorei relendo não sei quantas vezes sua mensagem. Eu estava ali quando aconteceu. Me remeti ao momento e vi cada detalhe. E senti minha vista turvar igual. Senti-me em estado catatônico igual. E chorei. Chorei por não poder fazer nada. Chorei por querer lhe ser mais útil. Mas chorei principalmente por me revelar uma realidade recorrente. E chorei ainda mais por não ver um fim para isso tão cedo.

Mas as lágrimas logo secaram ao reler a posição da sua família. Seu pai, sua mãe, seu irmão. Foram o que você precisava ter de alguém. De todos os alguéns.

Até mesmo de alguém gabaritado para ajudar você a superar um trauma passado. Sim, pois você passou por um trauma mas não é traumatizada. Só que isso não foi visto por quem cuidou profissionalmente de você. Quem disse que um profissional dessa área não pode ser moralmente arcaico, também? Você mesma disse: o tom dela te fez ter vergonha do que aconteceu. E era justamente o contrário: quem deveria ter vergonha era ela!

Só espero que sua culpa por terem mudado de vida não recaia mais sobre você. Seus pais fizeram aquilo que se espera de pais de verdade. Eu aposto que seu pai venderia quantas casas fossem necessárias para te ver livre de pensamentos como esses que tem.

Todos os resquícios serão usados para justificar algo em você: um namoro mal terminado, um fora levado na balada, uma decepção com um pretendente, uma nova tentativa de se reerguer após um frustrado relacionamento. Mas isso tudo acontece não por causa do que te aconteceu: isso tudo acontece porque as relações são sempre complicadas. Com ou sem traumas passados.

Mas ainda dá pra reverter os vestígios de toda essa sobra que sobra em você. Pense: não é você que tem de provar aos outros que não é aquela PG nem aquela “aberração” que se sentia; são eles que tem de provar a você que são dignos de sua companhia, de sua amizade, de sua confiança. Pare e reflita: qual o valor da sua confiança? Isso é algo que não tem preço! Por isso todos precisam se mostrar realmente merecedores disso. A peça rara aqui é você e isso precisa ser disputado e valorizado.

Tudo o que aconteceu foi real, foi sentido e ressentido por você e te trouxe até aqui. Agora cabe a você saber como irá digerir isso a partir de agora: irá sempre relembrar o que fizeram a você, se sentindo a coitadinha da história, ou irá realmente olhar a mulher que se tornou e se formou sozinha, superando como pode cada momento e se reerguendo a cada nova queda? Perceba que você ainda mantém em você a ingenuidade daquela criança que ainda você mantém viva dentro de você. Os primeiros parágrafos indicam isso: você a mantém viva. E ela é a luz que você precisa ter. Não caia no erro de se tornar uma sombra de si mesma. Não se rebaixe nem faça uso de muletas emocionais. Você não precisa disso. Ninguém precisa disso. Não escolhemos o palco em que subimos para cantar, mas podemos escolher o repertório a ser cantado.

E se me permite, gostaria de trocar o seu PG pro um outro PG... Bom, mesmo que não permitir, eu trocarei, caralho! Pense sempre que tudo o que te aconteceu seja apenas a Primeira Gota dentro do copo da tua vida. Tudo aquilo foi apenas uma gota. Seu copo está cheio de outras gotas boas. Gotas que valeram a pena. Muitas gotas com gosto de lágrimas. Outras gostas com gosto de suor. Mas muitas, a maioria, com sabor de vitória. Cabe a você decidir como será essa Primeira Gota: de óleo, para estragar todas as outras dentro do copo, ou apenas mais uma gota, que não irá se destacar perante tantas outras gotas boas?

Teu copo ainda está na metade, menina... e há tanta goteira boa por aí.


PS: Eu fiquei um mês sem atualizar essa porra pois estou afundado num processo de auto-reciclagem: revendo conceitos, ideias, pensamentos, atos e emoções. Estava travado e não conseguia responder algo que eu acreditasse. Sim, só respondo quando eu acredito no que estou respondendo. E você me ajudou nisso. Você acredita tanto em você que eu voltei a acreditar em mim. Obrigado por me ajudar a resgatar o Querido Ogro, tá? Depois te pago umas brejas...

17 comentários:

  1. Anônimo disse...
  2. Vou preferir não comentar sobre o abuso em si, mas sim sobre a capacidade de superação desta garota.
    Também passei por abuso, sou uma das "Fionas" que relatou sua história ao nosso Querido Ogro.

    E é fortalecedor saber que outras meninas também vencem um leão a cada dia. Que também mantém, apesar de tantas decepções, a vontade de viver.

    As cicatrizes sempre existirão.
    E desejo que a nossa vontade de seguir em frente continue existindo, apesar delas.

  3. enlouquece viver. disse...
  4. Li o relato com lágrimas nos olhos.
    Apesar de tdos as tragédias pelas quais passou, vc é uma pessoa forte!! Qtas mulheres conseguem transpor ( e não esquecer) um trauma e viver normalmente? Poucas. Vitoriosa, é exatamente isso q vc é. Uma mulher admirável.
    Felipe, mais uma vez, parabéns por este espaço.

  5. Unknown disse...
  6. A história desta vencedora não resgatou apenas vc, Felipe... Resgata todas as meninas ou meninos que se viram em situação parecida de violência e abuso.
    Somos muito mais que isso, querida resgatadora, por isso conseguimos erguer a cabeça e continuar, seguir iluminando, irradiando força e carater.

  7. Anônimo disse...
  8. Te entendo perfeitamente, também fui vítima de tentativa de abuso sexual quando tinha 5 anos, não tinha coragem do comentar com ninguém até uns 15 anos atrás (hoje tenho 39), pois me sentia culpada e achava que eu tinha provocado, pois era isso que ouvia dos homens da família sobre mulheres que sofreram tal violência. Claro que não comento com qualquer pessoa, mas me faz bem falar com algumas, cada vez que repito a história mais me convenço que fui vítima e não causadora. O que posso te dizer é boa sorte, Deus te abençoe e creia que com o passar do tempo essa dor diminui muito, apesar de as vezes ainda me assombrar. Você já é uma vencedora, creio mesmo nisso!
    Quanto ao Felipe, parabéns por abrir esse espaço, o silêncio das vítimas de abusos nos sufoca.

  9. Anônimo disse...
  10. Indescritível a sensação de depois de tanto tempo, ler e reler tudo que está aqui. Colocar tudo isso em um texto não foi tarefa fácil. Eu nunca tinha escrito essa história. Foi um mergulho doloroso e necessário. Porque essa ferida foi cicatrizando assim, aos poucos, com recaídas, COM MUITO AMOR (MINHA FAMÍLIA REALMENTE É DO CARALHO... inclusive minha irmã. Hoje entendo que naquele momento, a crueldade foi a forma q ela encontrou pra lidar com a dor).
    Não sou perfeita, sou sim, cheia de encanações e em muitos momentos sou fraca e me entrego, relembro a dor, e, claro.. preferia q td isso não tivesse acontecido comigo.Se eu pudesse, gostaria sim, de ter mais orientação sobre o problema, pra me tornar sempre MELHOR por causa disso ou apesar disso, tanto faz.
    O que me emocionou realmente foi sua resposta, Felipe. Hoje você me conhece bem, posso dizer. E sabe quão bom foi pra mim colocar isso pra fora em forma de texto.Mas eu confesso que não esperava nem q esse caso viesse pra cá e muito menos que sentiria tudo que senti com a resposta. Com os comentários. Obrigada a todos, mesmo. Nunca usei minha história pra ganhar aplausos, porque apesar de fraquejar as vezes, sei q sou exceção no meio de muitas que não conseguem lidar com o problema. Minhas sequelas são leves, luto e sempre lutarei e me indiganrei contra isso. Mas ler tudo isso, realmente, deu um aconchego no meu coração que me dá a certeza de que essa Primeira Gota não vai ser de óleo.. porque eu não deixo.
    Resgatadora... bonito isso.. Felipe: só te digo uma coisa além de obrigada. A felicidade de participar disso aqui é imensa, vc sabe o carinho q tenho pelo blog. Te trazer de volta não tem preço...
    Um beijo a todos q comentaram...

  11. Drica disse...
  12. Cara que lição de vida. Vc é uma guerreira, passou por uma das maiores, senão a maior humilhação que uma mulher pode passar e conseguiu superar, ou pelo menos aprendeu a conviver com isso, e o mais lindo disso tudo é que vc não desistiu da sua vida. E está certa vc, não tem que deixar seus sonhos por esses malditos, que um dia espero que paguem por isso. A melhor forma de retrucar isso é vc mostrar que venceu. Pq a única coisa que ninguém pode nos tirar nessa vida é o nossos sonhos.
    Lendo esse post eu tbm senti e visualizei tudo o que vc passou, e me senti muito orgulhosa de vc.
    Felipe tá vendo só pq vc não pode parar com esse blog?
    Porque essa é a forma que vc tem para ajudar essas pessoas, essa é a forma de quem passou por isso trocar experiência e encontrar um ombro amigo. Vc o grande defensor não pode desistir da gente.

  13. Anônimo disse...
  14. ..., não consigo escrever mais do que isso. Parabens.

  15. Anônimo disse...
  16. Caramba, que blog foda. Chorei com a história e com a resposta, que não poderia ter sido melhor. Às vezes acho vc, Felipe, um pouco cruel demais com as pessoas, principalmente por não conviver com elas... mas entendo que é necessário em muitos casos. Antes, achava que era apenas "estilo", que vc tinha que ogro no pior sentido da palavra para manter seu blog. Mas não. Vc provou que não é isso. Ganhou mais uma fã.

    E a resgatadora, bom, só posso dar parabéns e desejar uma vida muito, muito feliz, que é o que de fato merece. Merece conviver com pessoas que te amem de verdade. Merece passar por cima de tudo, realmente, e mostrar toda essa força que parece que sempre teve.

    Fico chocada ainda em como a sociedade vê casos assim. Não tinha ideia de quão machistas as pessoas (homens E mulheres!) podem ser mesmo em situações claramente de risco, de crime grave. Isso em entristece muito, como se eu mesma tivesse passado por tal situação.

  17. Crystal disse...
  18. Parabens!! A resgatadora por ter aprendido a conviver da maneira menos pior possivel com a situacao e ao Felipe por ser sempre tao atencioso, coerente, simples e forte em suas respostas, sou sua fã de carteirinha!

  19. Anônimo disse...
  20. Querido Ogro,

    Parabéns pelo seu blog e parabéns pela resposta dada a essa Brava Coarajosa pois só quem passou isso sabe o que é e ela é uma VENCEDORA!!! Que Deus dê muita força para ela e que possa perceber que ela merece ser feliz e que as pessoas que fizeram isso a ela terão seu pagamento, pois nada fica impune!!! Um abraço com muito CARINHO a ela e a voce por ter - difrente da maioria - uma opiniao forte e individual.
    Kisses,RobertaKeli

  21. Juliana disse...
  22. Parabéns por criar esse espaço para que tantas meninas possam vir aqui e desabafar. E parabenizo-as por serem tão corajosas em abrir-se diante de outras pessoas. Gostaria de que as pessoas podessem estar mais engajada com esses acontecimentos, que se passam e acabam que deixados de lado, por medos, receios, por vivermos em uma sociedade que ao inves de ajudar acaba que a reprimir. Acredito que grande parte das meninas se sentam culpadas pelo que acontessem com elas, e apesar de tudo o ser humano tende a se culpar, volto a repetir, pois a sociedade recrimina isso. Gostaria muito de poder estar escrevendo e divulgado isso, para que outras meninas se sintam mais livres desse trauma. Assim seus conflitos seriam bem menores. Enfimm...

  23. Anônimo disse...
  24. Olha, talvez se um dia você retorne a essa pagina e torne e ler,saiba que vc não tem culpa nenhuma,vc não procurou e nem tão pouco é uma aberração, e sim uma mulher forte, corajosa e linda por dentro e por fora, vc foi vitima desses que estão por ai no meio do mundo.Você é uma vencedora,lutadora e uma mulher forte,não deixe de viver por causa dessa dor,sei que só quem passa é quem sabe,apenas não deixe de viver,você ainda tem muita felicidade para colher, eu acredito.

  25. Anônimo disse...
  26. comecei a ler o relato desta moça e me tocou muito. Nao tenho dúvidas de que isso é muito comum. Parabéns pelo blog e pela forma como tu escreves. E parabéns para a guria que teve coragem de desabafar e dessa forma ir seguindo em frente.

  27. AdrianaM disse...
  28. É impressionante a capacidade das pessoas não envolvidas nesse tipo de situação, de julgar a vitima de um ato tão cruel. Nada justifica um ato insano desse. NÃO EXISTE JUSTIFICATIVA PRA ISSO. Tenho imensa admiração pela autora desse depoimento, sua força de vontade de seguir em frente sozinha, inicialmente sem o apoio da familia. Parabéns também pro QUERIDO OGRO. É a primeira vez que entro no seu blog e estou encantada com sua capacidade de confortar as pessoas que aqui deixam parte do sofrimento que carregaram durante anos, e que você em algumas palavras consegue amparar e ajudar a amenizar as marcas de todas as crueldades que ja viveram. Parabéns.

  29. Anônimo disse...
  30. Olha nossa que foda entrei ak por curiosidade e vir tudo isso da uma dor no coraçao da vontade de sair metralhando esses filha da puta mais que Deus tenha misericordia dessas moças oro sempre pra humanidade e pra nao acontecer essas coisas e pras crianças Deus tenha misericordia sem mais palavras vc é uma guerreira

  31. Anônimo disse...
  32. EU LEIO ESTAS HISTÓRIAS E ME REVOLTO. EU ACREDITO NO AMOR DE DEUS E QUE ELE NOS CAPACITA A PERDOAR. O VERDADEIRO PERDÃO NÃO É ESQUECER E NEM DEIXAR DE LADO A PUNIÇÃO AO ERRADO E CULPADO, É, ANTES DE TUDO, UMA MANEIRA DE NOS LIBERTARMOS DO ELÁSTICO QUE NÃO NOS DEIXA PROSSEGUIR, DE MOSTRARMOS QUE SOMOS SUPERIORES AOS NOSSOS OFENSORES. O VERDADEIRO PERDÃO NÃO APAGA AS LEMBRANÇAS MAS FAZ COM QUE ELAS PERCAM O PODER DE NOS FERIR DE NOVO. PORÉM, PERCO AS ESTRIBEIRAS QUANDO UMA PESSOA QUE ESTÁ SENDO ABUSADA NOS IMPLORA PARA QUE NÃO TORNEMOS PÚBLICA A SUA HISTÓRIA PARA QUE A FAMÍLIA NÃO SAIBA E ACONTEÇA UMA DESGRAÇA PIOR AINDA É A ABUSADA PROCURAR O APROVEITADOR RECORRENTEMENTE. ESTOU FALANDO DE UM CASO REAL QUE POR FUNÇÃO NÃO POSSO TORNAR PÚBLICO EMBORA A GAROTA SÓ TENHA 14 ANOS. NÃO SEI O QUE FAZER POIS ELA NÃO NOS AUTORIZA NENHUMA AÇÃO.

  33. Anônimo disse...
  34. Que historia triste,horrivel,fico chateada,com raiva desses caras,esses monstros,mas flor estou aqui pra te dizer que estarei orando por vc,vc é preciosa,uma princesa de Deus,Deus tem grandes coisas pra sua vida!

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