“É inaceitável o que ando vivendo e quando falo que estou indo embora ele ameaça a me bater mais”

Querido Ogro...

Hoje acordei com os braços e pernas roxas, cabeça doendo e pescoço dolorido, pela surra que levei do meu "marido"... Há um ano e dois meses estamos morando juntos e essa foi a quarta vez que ele me agrediu.

Larguei minha vida pra ficar com ele, abandonei amigos e família para viver com ele, uma pessoa que vive criticando tudo que faço ou penso. Uma pessoa que se acha O certo de tudo que faz e na verdade faz tudo errado. Ninguém pode falar um A mais alto que ele já é todo nervosinho. Ninguém pode colocar o dedo no filho dele, mas nos filho dos outros (eu) pode, né?

É inaceitável o que ando vivendo e quando falo que estou indo embora ele ameaça a me bater mais. Fico com medo, aturo e, no dia seguinte, não volto mais pra casa. Aí ele me liga, me infernizando, dizendo que irá jogar minhas coisas na porta do meu serviço, que eu vou me arrepender plenamente, etc. etc...

Volto pra casa da minha mãe, humilhada, sem poder contar nada pra ninguém porque me sinto humilhada, engulo seco os comentários de que sou criança por não aturar um casamento, que casamento não é mar de rosa pra ninguém,... Mas ninguém sabe o que vivo.

Aí depois de dois dias ele me liga, me pede desculpas e diz que fez isso porque não respondo as perguntas dele, por que ignoro ele. Ele diz que preciso de um psicólogo, que preciso de ajuda, que trouxe problemas da minha família. Mas o problema é ele...!

Sou nova, trabalho, estudo, viajava, não precisava dar um real dentro de casa, Hoje não vejo nem esse um real do meu salário porque deixo tudo com ele. Comprei um carro com ele, montei uma casa com ele. E quando saio de casa, saio só com minha roupa do corpo.

Eu me odeio pelo que estou passando e não to conseguindo mais superar, não agüento mais chegar na minha mãe com minhas malas nas costa, e pedir pra voltar....

Minha cara,

Na boa: você está esperando o que pra agir e sair dessa vida? Algum cavaleiro num cavalo branco, em pose de príncipe, para salvar das garras do dragão a princesa raptada e viver feliz pra sempre? Meu anjo, isso só funciona em ficção. Aqui na vida real, dolorosamente real, precisamos caçar o dragão à unha e ainda xingar de bunda-mole o príncipe que estava ocupado demais escovando o cavalo!

Muitas mulheres se prendem aos caras errados por uma dezena de motivos. Há quem fique com o marido por ser conveniente, já que é o cara é um bom provedor da casa, há quem fique com medo da solidão e de não encontrar mais outro alguém, há quem se prenda à história que tiveram juntos e se sujeita aos ataques físicos e emocionais, há quem tenha medo de ser injusta e causar dor ao outro...

E nessa montanha de medo e vergonha, a mulher aprende a respirar com o ar que recebe: toma patada o dia todo, é injustiçada e ignorada frequentemente, mas ao receber um pequeno gesto de “atenção”, acha que aquilo é tudo o que merece receber. Esse “condicionamento ao carinho escasso” é uma das piores crueldades que um homem pode fazer a uma mulher. A mantém sob rédeas morais e emocionais tão presas e tão curtas que ela simplesmente esquece como é ser bem tratada por outras pessoas. Simplesmente acata a condição de submissão.

E nesse meio-tempo, a forma dela ser “vista” é apenas sexualmente: por 5 minutos ele vai ter nela um pouco de afeto, um pouco de “carinho”. Ele a verá como uma buceta a ser penetrada e não como uma mulher a ser almejada e admirada. Acredite: há MUITA mulher que confunde esses 5 minutos sexuais como se fossem demonstração de amor. E até nesse quesito ela é totalmente ignorada e subjugada.

Qual a diferença entre os homens que agridem fisicamente e os que agridem emocionalmente, moralmente, psicologicamente? Nenhuma! Em todos os casos, estão comentando uma violência cruel contra um ser que merece respeito e, no mínimo, zelo. No seu caso, vejo dois pontos muito fortes: o medo do julgamento da sua família e a sua total incapacidade de manter sua decisão de se ver livre dele. A culpa não é só sua, mas a responsabilidade é. Não sei como você foi criada, quais exemplos recebeu quando criança, como foi tratada em outros relacionamentos... mas tudo indica que você está num processo de afloramento, está tentando manter viva a mulher que vive dentro de você. E não está mais agüentando ser tratada assim. Ainda bem que chegou nesse ponto de indignação. Muitas demoram décadas, outras sequer chegam a esse grau de compreensão. Passarão a vida sentadas, chorando e achando que viver é isso. Mas viver é muito mais do que isso, minha cara... muito mais!

Conheço casos muito parecidos com o seu, de mulheres que não tinham mais outra opção, que achavam que isso era tudo o que teria o resto da vida, e que aprenderam que merecem muito mais do que recebem. É um processo longo, difícil, mas uma vez que entrar nessa compreensão, nunca mais voltará a ser como antes. Mesmo que caia em contradição entre o que sente e o que expressa, você saberá, dentro de você, o que é certo. E isso vai te guiar para a decisão mais sensata e menos cruel.

Essa guerra psicológica que ele faz é natural de quem não sabe lidar com pessoas profundas. Fica na superficialidade de tudo e quando questionado sobre questões mais focadas, mais vitais, irá apelar para a violência. Essa é a única discussão que ele sabe que ganhará contra uma mulher. Covardes são assim: machões e superficiais. Conheço o tipo aos montes...

Você viajava e conhecia pessoas.
Agora ele te enclausurou no mundo ignorante e fechado dele.

Era financeiramente independente.
Agora ele te faz prestar contas até do cigarro que compra.

Antes era articulada e conhecia muita coisa.
Hoje é rebaixada a cada palavra que emite e tem de aturar críticas ao que faz e pensa.

Quando ele se toca do que está acontecendo (e das conseqüências dos atos dele), ele pede desculpas. Só que ele não elenca quais os motivos estão o fazendo se desculpar, né? É o típico pedido genérico: “Olha, desculpe-me por qualquer coisa que eu tenha feito, tá? Estamos bem? Agora vem cá e me chupa”.

Ele nunca saberá por quais motivos deverá pedir desculpa simplesmente porque não acha que esteja fazendo algo de ruim a você. E logo depois do “perdão pedido de joelhos”, ele começa o ataque de volta: diz que você está sendo relapsa quanto ao casamento, que não está se dedicando, que está jogando tudo fora e que o problema é da sua cabeça, que precisa de tratamento. E ainda: que isso é coisa da sua educação e que sua família é responsável pela “desgraça” que você é.

Só que o filho da puta se esquece que ele te reprimiu, te rebaixou, te impôs essa desgraça toda. E você, por medo e vergonha, engoliu. Pois tá na hora de cuspir essa porra... inclusive na cara dele! Me disse que largou sua vida por ele, abandonou amigos e família. Aposto que escondeu de todos a real face do seu “marido”, não? E por que escondeu? Para que preservá-lo? Para se preservar? Não importa: não preserve mais. Conte para sua família o que acontece. Diga que escondeu isso por tanto tempo por vergonha. Se assuma fraca – todos somos fracos - e depois mande um foda-se para aqueles que disserem que você precisa relevar isso. Diga que está se abrindo para que todos vejam a sua realidade e que não a questionem mais sobre “não aguentar um mero casamento”. Aposto que as que dizem isso nunca foram agredidas pelo marido. Felizmente elas não devem saber como é isso.

Reaja, caralho!

Não tenha pena de si por se ver nessa situação. Isso é mais comum do que você imagina: em cada quatro mulheres, uma passa pelo que você está passando. Isso é comum mas não é natural. As ameaças de que vai te bater mais se você fugir serão sanadas indo a uma Delegacia de Defesa da Mulher. Você encontrará respaldo psicológico e apoio legal. Ele precisa começar a sentir medo de volta. As ameaças dele são feitas dessa forma porque ele sabe que surtem efeito em você.

Devolva o medo, seja forte... a sua fortaleza está justamente na sua fraqueza. Só aqueles que tem vontade de viver conseguem assumir sua própria fraqueza. Os demais se acham fortes pois tem medo de conviver com o castelo em ruínas que trazem dentro de si.

Recorra à amigas, mesmo que elas estejam distantes. Aposto que encontrará pelo menos uma que irá te dar abrigo afetivo e o apoio que tanto sente falta. Sua família mesmo poderá te surpreender ao te abrigar enquanto lida com a separação definitiva desse crápula.

Está na hora de mudar sua vida de novo. Você teve coragem pra abandonar tudo e viver ao lado dele antes, não teve? Então tem a obrigação de ter a mesma coragem agora para se ver livre dele e reconquistar tudo o que perdeu.

Há pessoas no mundo podem te fazer se sentir uma mulher, de fato.
Não tire a chance delas de te conhecer.
Você merece mais, cacete!