“Tenho 28 anos e até então nunca tinha me relacionado com mulheres. Gosto dela mas continuou sentindo desejos por homens”

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores: ,
Querido Ogro,

Vivo um constante dilema em minha vida. Há quatro anos deixei a casa dos meus pais para viver com uma mulher. Tudo aconteceu MUITO rápido, com 10 meses de relacionamento eu já estava morando com ela. Tenho 28 anos e até então nunca tinha me relacionado com mulheres, apenas homens.

Meu último relacionamento com um homem durou dois anos, eu era muito apaixonada por ele, mas foi uma grade decepção amorosa. Passei uns três meses de “luto” após o término. Tinha dificuldades de me envolver com outros homens, pois tinha a expectativa de voltar com ele ainda. Passado o luto, continuei tendo dificuldades de me relacionar com homens, não sei explicar ao certo, pois não era por falta de “demanda”, me considero uma mulher interessante e sempre existem rapazes (até hoje) que me assediam bastante. Meu relacionamento com ela não é “aberto”, pois nossas famílias não aceitariam nunca e também porque não sei se é realmente isso que quero para a minha vida. Então vivemos meio “enclausuradas”, poucas pessoas sabem do nosso relacionamento.

Bom, mas meu principal dilema é: eu gosto dela, acho que amo, mas continuou sentindo desejos por homens. Já entrei em crises de depressão, pois sempre sonhei, desde pequena em casar, ter filhos e com ela é tudo muito complicado e sinceramente eu nem sei se encararia montar uma família, com filhos, em um relacionamento assim. Se eu pudesse escolher, escolheria hoje estar casada com um homem e com os filhos que sempre desejei ter.

Hoje não sei se o que sinto por ela é realmente amor ou simplesmente convivência, pois sexualmente não me sinto mais realizada. Depois que saímos para morar juntas, tudo mudou bastante. Passamos semanas, meses sem sexo. Existe muito companheirismo, cuidado, carinho, mas falta algo que eu não sei explicar. Somos mais amigas do que mesmo namoradas.

Outro dilema que convivo diariamente é o fato de “eu não me aceitar gay”. Quando saímos é sempre como “amigas”, pois sinto vergonha. Juro que não queria que fosse assim, mas não consigo me “assumir”, até porque como já citei acima, continuou sentindo desejos e atração por homens, sinto falta de fazer amor com homem. Como não gosto de me rotular, digo sempre para mim que gosto de pessoas, mas confesso que isso é um peso grande de carregar. Sinto falta da minha liberdade, mas estou “presa” nessa estrutura que construí com ela.

Quando saímos com meninas “do time”, muitas vezes me sinto mal, não querendo estar ali, fico vendo as meninas com seus namorados e muitas vezes desejo estar “do outro lado”.

Ela (que tem 30 anos) é uma mulher maravilhosa e não quero magoá-la. Já tentamos algumas vezes nos separar para “sentir” o que realmente queremos para nossas vidas. Ela percebeu que algo está errado comigo, mas todas as tentativas foram frustradas, pois como saímos para dividir um apê e não temos como e não queremos voltar para casa dos nossos pais, todas as vezes que nos “separamos”, continuamos vivendo no mesmo lugar e isso definitivamente não dá certo. Infelizmente não tenho estrutura financeira ainda para morar sozinha, dependo dela financeiramente para dividir as contas.

Querido Ogro, por favor, me ajude, pois não sei mais o que fazer. Sinto que minha vida está passando e eu estou apenas assistindo.


Minha cara gangorra,

É quando a vida começa a passar e não sentimos mais o gosto dela é que algo precisa ser feito. Há quem se contente em lamber a vida, mas há quem precise se engasgar com ela, devorar cada pedaço do cotidiano, se lambuzar da realidade e se afogar no lirismo do viver.

E é isso que está te faltando: essa gana, essa sede, essa fome. Agora está tudo muito sem gosto, apenas se alimenta para sobreviver de alguma forma. Uma praticidade que mata qualquer relacionamento.

E é assim que você deve ver sua relação: um relacionamento como outro qualquer. O fato de ser uma relação homossexual não muda nada. São duas pessoas convivendo sob o mesmo teto, cada uma com sua educação moral e ética, cada uma com medo dos preconceitos alheios e em uma fase da vida cheia de dúvidas e quase nenhuma resposta.

Considero os 28 anos o novo “18 anos” da vida adulta. É a maturidade pós-maioridade. Estranhamente a partir dessa idade as coisas parecem exigir mais explicações, as certezas somem e as dúvidas mudam. Todos os seus conceitos são atualizados, suas necessidades deixam de se adaptar e a busca por respostas consome boa parte do seu tempo. Comigo foi assim: justamente aos 28 deixei de apenas lamber a vida e vários pilares conceituais que eu tinha como certos de repente ruíram e novos foram construídos.

É o que agora te acomete. E nesse caso, precisa levar em consideração o agravante de estar vivendo com alguém diariamente. Isso fode muito a cabeça, ainda mais em uma relação totalmente nova e diferente para você. O primeiro ano de um casamento – se moram juntas, é um casamento, sim – é uma merda. Quem diz que o primeiro ano é todo lua-de-mel é porque está querendo ver outras pessoas se foderem como ele. O primeiro ano de um casamento é horrível e isso independe do tempo prévio que ambos namoraram: se namorou por 10 anos ou por 10 meses, sofrerá o mesmo choque.

Suas dúvidas sobre ter tesão em homens ainda é muito natural. Passou todos esses anos apenas saindo com eles e sua namorada acabou sendo uma exceção. Uma gostosa exceção que te fez se deixar levar. Era diferente, a novidade te excitava, o carinho era totalmente o inverso de tudo o que recebeu antes. Isso tudo conta para a excitação inicial e todo mundo pensa errado quando fica de pau duro ou buceta molhada. Essa porra de tesão meio que anula o cérebro.

E nisso voltamos ao fato de que, independente de ser uma relação nova para você, ainda assim é a mesma relação de qualquer pessoa com qualquer outra pessoa. Passará pelos mesmos estágios, em fases e níveis diferentes, mas enfrentará o mesmo que enfrentaria se fosse com um homem. A falta de tesão joga uma avalanche de dúvidas sobre vocês – sim, ela também pensa o mesmo que você em relação a isso. E nessas horas você resgata o que agora é diferente mas que sempre foi comum para você. De repente, sexo com homens virou a nova exceção e isso te empolga e te excita, da mesma forma como ela fazia antes.

Qual a diferença, por exemplo, de um casal hétero onde a mulher fantasia com outros homens? Ou mesmo com outras mulheres - e isso acontece muito... Nenhuma diferença. É o desejo por outra pessoa, por um toque diferente, por uma excitação causada pela novidade, pela necessidade de sempre ter algo novo. Isso é possível dentro da mesma relação desde que haja muita conversa e disposição. Por isso muitos casais chegam a cogitar um ménage. A simples ideia de ter um terceiro envolvido já empolga mais do que a real chegada desse elemento na relação. Ou mesmo uma única vez que dividam o mesmo homem pode ser uma nova chama que se acende e torna a queimar suas camas - desde que não vire uma muleta e apenas isso cause excitação.

Mas aí é que está a chave da coisa toda: você conversa com ela sobre isso? Conseguem debater o assunto sem uma acusar a outra? Sem tentarem desmerecer o argumento uma da outra? Uma conversa franca, com todas as dúvidas expostas e sem deixar nenhuma mágoa guardada para um eventual ataque tardio.

Não, vocês não conversam. Me disse que não sabe se ela encararia montar uma família. Isso é sinal de que preceitos básicos numa relação ainda não foram discutidos entre vocês. E é natural que isso não aconteça, é uma relação muito nova apesar de já viver sob o peso da convivência diária-quase -horária.

Ainda me diz que se pudesse escolher, estaria casada com um homem. E por que escolheria isso? Por que não teria condições de assumir uma relação dita diferente dos padrões impostos por nossos pais? Ou por que acha que ela realmente foi uma exceção?

Tenho uma amiga que passou por algo bem parecido: morou com uma mulher por anos, eram assumidas, se davam bem apesar do perfil da namorada ser bem ciumento e possessivo. Foi a primeira e única namorada dela. E ela sempre me dizia: “meu negócio é homem, ela é minha exceção. Se amanhã nos separarmos, volto a namorar homem. Não gosto de mulher, eu gosto é dela!”. E foi o que aconteceu: se separaram e hoje essa minha amiga está casada com um homem.

Talvez seja o seu caso. Talvez ela seja sua exceção. Talvez venha disso a sua “vergonha” de ser gay: você gosta dela, excepcionalmente dela. Você não se vê lésbica, não sente atração por outras mulheres. Teu lance é com ela e só com ela e por isso suas fantasias envolvem outros homens e não outras mulheres. Pois se não for com ela, você voltará a procurá-los. Ou você sente desejo por outras mulheres?

Isso, minha cara, pode ser um bom sinal de amor, sim. Talvez essa sua exceção seja justamente por sentir nela algo que difira da maioria. Mas para isso ser real e pleno, é preciso conversar. Não dá pra esperar passar o tempo e deixar o outro se tocar sozinho dos problemas que acometem a relação. Eu fiz isso e paguei anos de juros pesados. Não queira isso. Não vale a pena esperar apenas por medo de magoar o outro.

Não há pior mágoa em uma relação do que o silêncio auto-imposto. É preferível o choro causado pela exposição de sentimentos ao sorriso causado pela omissão de desejos.

Acredito que ainda haja tempo de salvar esse barco. Nenhuma causou grandes mágoas na outra ainda, nenhuma precisou procurar outros amores para enxergar a realidade de agora. Leve isso em consideração.

Pense na sua relação como uma escultura. Já esculpiram o desenho, falta agora o acabamento. O verniz é a atração não apenas física, mas humana e de caráter, onde sempre consegue admirar o outro por suas qualidades e apesar de seus defeitos; o diálogo é como uma lixa que apara os excessos e renova as camadas do verniz. Se constantemente conseguirem envernizar e lixar essa escultura, terão uma peça digna de ser exposta na principal estante de suas vidas. Caso contrário, será apenas um entulho empoeirado e amontoado no quarto das reminiscências.

Depois de quatro anos, estão precisando de uma demão nova. Resta saber se ambas estão dispostas a se sujarem um pouco. Afinal, não dá pra lixar nenhuma relação sem se sujar um pouco com o pó da realidade. Mas nada que um banho depois não resolva. Juntas, quem sabe?

1 comentários:

  1. Anônimo disse...
  2. Quando casei com o homem perfeito, o pai perfeito, na casa perfeita, estruturada no modelo social e financeiro perfeitos, eu pensei que não voltaria á sentir tesão por mulheres.
    A verdade, é que o tempo passa, e mesmo eu tendo tido somente uma transa com uma mulher experiênte e gostosa durante a minha vida, eu fico molhada só de pensar em colocar uma mulher gostosa na cama comigo e com o meu marido, ou somente comigo, chupar e ser deliciosamente chupada. È a tal da coisa, você está confusa mesmo tendo ao lado o seu desejo materializado e manifestado na forma feminina. Fico pensando, e no dia em que estiver na vida da qual almeja? Como será? Será que voltará a sentir tesão pelas mulheres? Será que vai conseguir realmente conviver com um homem que é completamente diferente na cama, nos sentimentos? Talvez sim, talvez não! Como foi dito pelo ogro, uma excessão! Eu também tive a minha, eu estava casada com o primeiro marido, um cara estúpido e sem graça, nada haver, com isso, aproveitei para deitar e rolar na cama de uma loira linda! Amei, agora, mesmo casada com a vida "perfeita" aquela vidinha sempre sonhada, volto á sentir toda aquela vontade de devorar com fome outras perspectivas. Converse querida, mesmo eu sendo casada, com um marido lindo, porém como está casado ele absteve de todas as safadezas de solteiro, que segundo ele, jamais praticou...hummm, eu falei para ele que desejo ter uma 3° pessoa na cama, ele fugiu feito um gatinho que recebe um balde de água gelada em graus de clima negativo, entrentanto..."Àgua mole em pedra dura, tanto bate até que fura!" quem sabe, uma 3° pessoa (Se a sua companheira aceitar, e você também desejar fazer isso) não seja uma maneira gostosa de aprender e ensinar? E principalmente, sentir, sentir profundamente!

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