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Pedofilia: #naofecheosolhos para isso (blogagem coletiva)

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores: , 5 comentários

Uma menina de 8 anos voltava da escola quando foi abordada por dois homens. Seis dias depois, foi encontrada morta com sinais de espancamento, dilaceração, estupro e dopagem. A mantiveram em cárcere privado por dois dias no porão e no terraço de um bar. Sob efeito de drogas, dilaceraram a dentadas os seios, parte da barriga e a vagina da menina. Depois, jogaram ácido corrosivo para dificultar a identificação de seu corpo e jogaram seus restos mortais em terreno próximo a um hospital infantil. Ambos eram pessoas pertencentes a duas famílias influentes do Espírito Santo, o que fez com que a polícia local fosse omissa na investigação e políticos fossem envolvidos em uma rede de acobertamento. Um sargento que investigava o crime chegou a ser morto durante a investigação.

A história poderia se passar em qualquer época. Mas aconteceu em 1973.


Ontem foi Dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data foi escolhida em memória a Araceli Cabrera Sanches, que em 18 de maio 1973 foi drogada, espancada, estuprada e morta por Paulo Constanteen Helal e Dante Michelini. Lola Cabrera Sanches, mãe de Araceli, também estava envolvida no crime. Os monstros foram condenados a 18 anos de reclusão, mas foram libertados e seguem entre nós até hoje, impunimente caminhando entre você, seus filhos, nossas crianças.

O dia que marca a morte de Araceli foi ontem. Mas hoje muitas crianças ainda seguem reféns, sob esse manto da impunidade e do acobertamento familiar. Hoje muitas crianças podem não sofrer o que Araceli sofreu, mas são igualmente violentadas e abusadas, molestadas e caladas por uma sociedade que ainda insiste em se manter presa aos olhos de 1973.

Seus corpos não são dilacerados como o de Araceli, mas são abocanhadas em suas dignidades e inocências cada vez que monstros que estão ao seu lado agem e você não desconfia por ele ser o amigo da família.

Não são dopadas como Araceli foi, mas sofrem com um inebriante estado de ameaça emocional por vizinhos e avós e tios e padrastos que as colocam no colo, sob pretexto de um inocente carinho, e molestam asquerosamente enquanto ordenam para ficarem quietas ou sofrerão as consequências, já que “ninguém vai acreditar em você”.

Não são encarceradas como Araceli foi, mas se fecham num enclausuramento emocional que perdurará toda vida, refletindo em todas suas escolhas e posturas, afetando todas as relações interpessoais e amorosas e sexuais, uma vez que os monstros insistem em voltar na penumbra dos corredores de seus pensamentos.

Não são corroídas em sua carne como Araceli foi, mas toda sua alma será desmanchada em lágrimas e revolta e culpa e autojulgamento, mesmo que não tenha tido responsabilidade alguma sobre o que aconteceu. Mas ainda assim irão corroer a revolta em seus corações, se rebelarão contra a própria essência, na tentativa de matar a memória daquela que tanto sofreu; na tentativa de não sentir mais o tenebroso asco do toque malicioso e catártico.

Não, você não molestou ninguém. Não, você não tocou em ninguém. Mas sim: você pode ter sido culpado disso quando fechou os olhos para uma criança que precisava apenas que olhasse para ela; que apenas precisava que desconfiasse do vizinho, do primo, do tio, do pai, do namorado; que apenas deixasse essa eterna mania de achar que é sempre com os outros que acontecem tais atrocidades.

Mas isso não acontece assim, né? Será?

“Aos 6 anos, fui vítima de abuso sexual. O pedófilo era um vizinho de idade avançada, avô de um amiguinho de infância”


“Comecei a me prostituir aos 7 anos, vendida por uma tia. Tive minha infância roubada por quem deveria me proteger.”


“Descobri o sexo através de uma das empregadas. Ela tinha um relacionamento perturbado com o porteiro e o cara fez a cabeça dela pra me envolver nos jogos sexuais dos dois”


“Então descobri que ela foi abusada pelo próprio pai dos 6 aos 11 anos. De uns meses pra cá, ela já não quer mais fazer sexo”


“Acordei sentindo algo subindo no meu corpo. Quando abri os olhos, era meu cunhado passando a mão em todo meu corpo”


“Fui abusada quando tinha cerca de 5 anos pelo meu vizinho. Ele tirava a minha roupa, passava a mão em mim...”


"Quando eu tinha 13 anos, fui estuprada pelo meu irmão mais velho..." 


É... e ainda assim você acha um absurdo desconfiar.



*Esse post faz parte da Blogagem Coletiva #naofecheosolhos organizada pelo Instituto Abihpec para o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
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“Comecei a me prostituir aos 7 anos, vendida por uma tia. Tive minha infância roubada por quem deveria me proteger.”

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores: , 4 comentários
Querido Ogro...

Tenho 33 anos, sou casada, tenho um filho e uma vida bem tranquila. Mas minha vida nem sempre foi assim... Comecei a me prostituir aos 7 anos de idade, vendida por uma tia. Tive minha infância roubada por quem deveria me proteger.

Minha adolescência foi regida com muito sexo e cocaína, enfim, uma verdadeira loucura. Fui atendida algumas vezes por psicólogos do juizado de menores, mas nada adiantava, eu não sabia explicar porque eu fazia aquelas coisas e tinha medo de denunciar minha tia. Aliás, eu nem sabia que podia...

Aos 20 anos tive uma chance de mudar de vida, me casei e hoje tenho uma vida de princesa, não me falta nada. Mas, de tempos em tempos, sou puxada para baixo por uma força maior que eu, sinto como se aquela menina voltasse e jogasse na minha cara todas as mazelas que passei... Sinto-me novamente desamparada, novamente traída, morro de medo de invadirem minha casa e me levarem de novo pra aquela vida imunda.

Tenho sonhos agitados que, mesmo depois de acordada, tenho dificuldade de entender onde estou... Sinto ódio de mim por ter vivido tudo isso, sinto um nojo imenso do meu corpo, tenho uma raiva de mim. Antes, quando eu entrava nessas crises, ficava nervosa, quebrava tudo dentro de casa, gritava, chorava, mas aprendi que isso não é de Deus e passei a me cortar. Na primeira vez que fiz isso, quando acabei, consegui ver que estava no banheiro da minha casa, me senti mais calma e voltei a dormir. Agora todas as vezes que sou tomada por esses sentimentos, fujo pras minhas lâminas.

Estava até fazendo terapia, mas me senti iludida, pois eu achei de verdade que esqueceria tudo o que me aconteceu, mas infelizmente isso não está acontecendo, então não vou mais. Fora que minha psicóloga vive minimizando minha história, ela vive falando de pessoas que "sofrem de verdade", que tenho tudo pra ser feliz e não aproveito, que tenho que sair do "modo passado". Enfim, me sinto frustrada por não conseguir esquecer e dar a volta por cima... a cada pesadelo me sinto multilada, condenada a reviver cada detalhe daquele inferno que foi minha infância e adolescência.

Sei que me cortar também não é a maneira mais correta de lidar com isso, mas não sei o que fazer mais pra aliviar esse ódio todo, essa dor imensa. Peço a Deus todos os dias pela morte, me sinto um zumbi, uma morta viva, não sinto prazer em nada, tudo o que faço, faço por amor ao meu filho e marido, não quero que eles sofram por causa do meu passado imundo. Mas a cada dia que passa tem sido cada vez mais difícil continuar vivendo. Me ajuda, por favor, me salve de mim mesma...


Minha querida desesperada;

Imagino que esteja foda pra caralho lidar com os fantasmas do passado, mas teremos que lidar com um de cada vez. Entendo que o desespero imponha imediatismos, mas peço que leia uma conversa que tive hoje com uma pessoa que me procurou há tempos com algo que aconteceu a ela na adolescência e causou um trauma que perdurou por anos, assim como em você perdura:

- Com relação ao que te aconteceu, isso tem te incomodado? Amenizou? Volta às vezes a assombrar? Como tem lidado com isso?

- Honestamente? Depois de ter me aberto com você e toda sua ajuda, a coisa foi sumindo da minha memória completamente, ao ponto de outro dia me pegar falando no assunto sobre outra pessoa, como se aquilo nunca tivesse ocorrido comigo. Tudo mudou, perdi medos, muitos medos em vários aspectos. Até mesmo posições no sexo que pra mim não eram prazerosas pelo trauma, hoje são minhas favoritas! Minha vida mudou. Eu chorava com cenas de estupro em um filme, por exemplo...evitava assistir esse tipo de coisa, me escondia. Hoje assisto, claro que com a revolta de ver um FDP fazendo aquilo, mas com pena da moça do filme e não com pena de mim. Não mais. Dentro de mim a raiva e o ódio que sentia do cara que fez comigo, passou... ele hoje não fede e nem cheira! Você me fez descobrir que sou maior que o fato, eu defino a situação e não a situação me define... é isso!

Entende como há alternativas, como é possível conseguir usar exemplos de outras pessoas de forma positiva, sem que você tenha que pensar que “fulano tem mais problemas que eu” ou que seu problema é menor? Não estou minimizando o seu problema ao citar outra pessoa: estou justamente dando o devido respeito a ele e te mostrando que é possível buscar inspirações. Há um estranho alívio ao saber que não é a única a sofrer por coisas parecidas.

A primeira coisa que tem que fazer é: parar de ver que se prostituía. Você era aliciada e isso tem diferença. Usar esse termo “se prostituir” impõe a você uma realidade pesada e alivia a culpa de quem realmente é culpada: sua tia! Mesmo que tenha durado até a adolescência: você fazia obrigada, sob o manto do medo da condição que lhe fora imposta. E mesmo que o sexo tenha se tornado depois algo inconsequente e, por vezes, promíscuo: não foi uma decisão sua, lhe tiraram o poder de escolha e o status acabou se estabelecendo de forma errada no seu cotidiano. Era o que você tinha de referência, mesmo sendo uma referência errada e deturpada. E não por sua culpa...

Quando diz que por vezes aquela menina volta, sinta que ela faz isso não pra te jogar na cara tudo o que você fez: ela volta pedindo sua ajuda, para libertá-la dessa imagem pesada na qual a prenderam. Você ainda a vê como uma prostituta, por isso sente que ela volta te jogando tudo na cara. Pegue essa menina pelo braço, coloque-a no colo e a ouça. Faça com ela o que você gostaria que fizessem por você naquela época: proteja-a, não a condene a esse inferno. É pesado demais para ambas, vocês não merecem mais disso em suas vidas.

Os sonhos agitados, o medo de voltarem a te machucar, os cortes... tudo isso reflete a não aceitação do que fizeram e a sua necessidade de superar isso. Mas acredito que esteja fazendo da forma mais agressiva possível: pra você é ou esquece de vez ou nem tenta começar a superar. Esse extremismo te joga justamente no extremo ruim da situação: você surta, perde o foco, não respira e corre buscar paliativos para te aliviar. Era assim quando quebrava tudo, é assim quando quebra as barreiras de sua pele com suas lâminas.

Só que é assim: nem tudo o que fez causou essa bagunça toda em você. Talvez esteja buscando nessas referências de um trauma passado uma fuga para não ter que lidar com alguns conceitos que existem em você independente do que tenha te acontecido. Comece a elencar tudo o que te incomoda e te causa dor e revolta e veja até que ponto isso tudo existe por conta do que sofreu desde a infância. Ao ver que nem tudo está conectado, conseguirá deixar alguns elementos desconectados desse problema e verá como pode resolver um de cada vez.

A primeira coisa a fazer é parar de sentir raiva daquela menina e, ao mesmo tempo, não sentir mais pena de você, misturando esses sentimentos de forma tão pesada. Não irá esquecer de uma vez, tampouco deixará de ter os pesadelos... mas isso irá diminuir conforme for se conformando em ver que nada irá fazer poderá mudar o que aconteceu, mas mexerá na sua vida a partir de agora.

Quer uma boa fonte para te ajudar a superar isso? Seu filho! Mostre para ele como uma mulher deve ser tratada, eduque-o para ser aquele que vai neutralizar os efeitos de todos os que passaram por sua vida e que tanto te machucaram. Seu filho será a resposta sua para todos esses monstros que ainda aparecem à noite em sua cama. E você será responsável por isso: pegará o mal sofrido e devolverá em exemplo de ser humano a ser criado por você. É assim que irá resgatar a autonomia sobre você e seus desejos e seus pensamentos. Queira estar viva e lúcida para ver se superando de todo mal através do bem que fará ao criar um homem de verdade.

Quer tirar esse poder todo que sua tia e a todos que te machucaram têm sobre você? Mostre, dentro de você, que não vai mais deixá-los te aliciar dentro de você. Se deixar isso ainda acontecer, estará dando a eles o gosto da vitória sobre você.

Citei o diálogo no começo do texto pra você entender como há uma solução. Não há uma fórmula ideal, só você é capaz de encontrar os corredores certos que te levarão pra fora dessa clausura onde as mantém reféns de vocês mesmas. Muitas encontraram, você também encontrará. Apenas não desista. Ela está aí dentro esperando você dar-lhe a mão para ambas conseguirem respirar aqui fora. Por que não?

É foda? Pra caralho. É puxado? Mais do que imaginamos. Mas é possível.

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“Me senti abusada, um lixo. Quando tudo acabou, ele ainda quis me beijar, pediu água, me abraçou...”

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Querido Ogro

Talvez minha pequena e breve história de uma menina de 15 anos não seja assim, talvez, tão dolorida ao comparar com dificuldades de muitas outras meninas que escreveram para você, mas te digo que é dolorida o bastante para trazer nesse meu pequeno livro que ainda estou a escrever, se prepare por que vai começar.

Minha mãe era evangélica meu pai também toda família torcia pra um casamento deles, se casaram muitos novos, tiveram uma vida boa, compravam o que queriam, porém só quem aproveitou isso foi minha irmã mais velha. Após minha irmã completar 6 anos, eles se separaram, minha mãe se mudou, começou uma nova vida, enquanto ele ia à falência com amantes. Sabendo da boa vida dela, ele voltou atrás, a engravidou de mim só pra ficar no “bem bom”. Minha avó quando soube da gravidez, implorou por um aborto, mas os remédios não deram resposta.

Com seis meses de vida, ele nos deixou por uma amante e aí vieram as dificuldades. Cresci sem pai, passando fome por que minha mãe não tinha emprego pra comprar o meu leite, ela saia atrás de emprego todos os dias pela manhã e só chegava a noite, minha irmã ia estudar e eu ficava na creche. Com 4 ou 5 anos de idade, meus amigos eram meus livros, aprendi logo a ler e escrever sozinha, muito nova era a unica a ler e escrever na creche. Me dói saber que não tive uma mãe ou um pai do meu lado pra me ensinar, muitos menos pra cuidar, muitas vezes ficava em casa só, sem atenção... não me lembro dessas coisas acho que foi apagado da minha memória toda aquela dor.

Com 8 anos comecei a ver pessoas mortas em todo canto da casa e conversava com eles. Pra mim eram amigos, era muito pequena e não entendia, chorava muito e fazia escândalos, queria e implorava por atenção, queria um colo, um abraço não queria ficar só. Quando via minha mãe saindo de casa, chorava e implorava pra ir com ela, isso só com 8 anos. Nunca tive atenção, nunca falei com minha mãe, nunca ouvi minha mãe contar uma história pra mim, me levar em um parque ou perguntar como foi o meu dia.

Me dói quando minha família me vê e me olham falando: “essa é aquela menina ruim que chorava e fazia escândalo”, como se me rejeitassem... mas, querido ogro, não me lembro de nada da minha infância como se Deus tivesse apagado da minha memória pra não chorar mais. A única lembrança é de quando chorei muito e minha mãe me amarrou no pé da cama e depois me deu uma surra. Quando me desamarrou, fui tomar um banho toda vermelha e marcada. A única lembrança boa era de brincar no quarto sozinha com minhas panelinhas.

Os relacionamentos conturbados da minha mãe me atrapalharam, um dos meus padrastos me trancava no banheiro no escuro. Eu era ruim, admito, mas eu chorava para sair e ele não me tirava e assim fui crescendo rebelde, revoltada, triste.

Hoje com 15 anos estou em uma depressão horrível, me corto muitas vezes com facas pois ajuda a passar a dor da tristeza. Sim, continuo sem atenção da minha mãe e de toda família, mal vejo meu pai... às vezes ele aparece quando precisa que faça algo. Minha pequena e breve alegria era meu ex-namorado, até mês passado com o que aconteceu, era virgem e ainda sou, pelo menos é o que quero pensar.

Estava com ele na rua, já era tarde, ele me deixava em casa e sempre disse que respeitaria o meu tempo, mas não foi assim: na minha rua havia uma construção, ele me puxou lá pra dentro e começou a me agarrar. Eu pedia pra parar porque não estava preparada, mas ele não parava. Eu empurrava ele pra longe de mim, mas ele mandava eu ficar quieta e calma. Fiquei paralisada com a dor, ele começou a me masturbar, eu pedia pra parar por que estava doendo, pois nunca tinha feito isso. Ele pedia pra que eu ficasse calada. Eu me paralisei, não me movia, estava em choque. A minha primeira vez era como um sonho pra mim, logo ele que só estava comigo há três semanas, estava aprendendo a ama-lo, ainda não estava apaixonada...

Me senti abusada, um lixo, um vômito. Quando tudo acabou, ele ainda quis me beijar, pediu água, me abraçou... Eu obedecia, parecia não ser eu ali, mas quando entrei não chorei, segurei minhas lagrimas e me calei, então vi que minha calcinha havia sangrado. Não houve penetração, ele só me masturbava com muita agressividade, dava tapa na minha cara, nunca tinha passado por isso, era estranho... Por isso digo que em minha mente sou virgem, pois acredito que só perderei quando for pra cama com um homem querendo estar lá e sim quando acontecer penetração. Pesquisando na internet vi que meu hímen pode não ter rompido, pois com a violência da masturbação ele pode ter me machucado e não ter rompido, sangrado apenas pela violência que ele teve comigo

Uma semana depois ele não veio mais atrás de mim. Aí, sim, chorei... chorei por achar que era culpa minha o que tinha acontecido, era pra ser mais dura e tirado ele de perto de mim. Por ser fiel a Deus, olhei pro céu e pedi perdão, estava triste me sentindo um vômito, achando que a culpa era minha, mas também sei que sou muito inocente, nunca tinha sequer me masturbado. O que me dói é ele sair por ai falando que é evangélico, crente... e fez isso comigo!

Me ajude. Estou muito mal, por favor me ajude, me responda, gosto da maneira como fala bruto, porém fala a verdade de uma maneira que irá me empurrar a seguir em frente e esquecer o acontecido, esquecer toda essa história de solidão. Por favor, peço que não fale minha identidade.


Minha cara bagunçada;

Primeiro: você precisa parar de falar que tudo o que aconteceu a você foi por conta do seu passado. Você mesma diz que não tem memórias dessa época, como pode afirmar que tudo foi por conta do que te aconteceu? O que você está fazendo é apenas projetando sua frustração atual nessa lacuna do seu passado. Você criou um universo onde tudo para você está baseado no que te aconteceu no passado sendo que você não se lembra de nada daquilo! Muito do que você fala sobre seu pai, por exemplo, é baseado no que sua mãe conta sobre ele. E como ela foi traída, obviamente que não falará bem dele pra você. Perceba como você coloca a vida deles como uma coisa perfeita até o seu nascimento e, depois disso, tudo foi uma merda. Porra... não, né!?

Você não pode afirmar isso, você era criança, não tinha acesso ao que acontecia. É por isso que você não tem memória disso tudo. Quem tem lembranças reais e concretas da vida aos 3 ou 4 anos? Ninguém! São flashes de pequenas coisas que se mantém na cabeça, apenas. Mas você conta como se fosse um filme, com todo o enredo já traçado e com os vilões estabelecidos.

Isso de falar que aprende a ler sozinha, que os livros eram sua companhia... tudo isso é projeção sua na tentativa de preencher o que está em branco na sua mente. Mesmo isso de falar com espíritos: a maioria das pessoas que julgam passar por estados de abandono tendem a acreditar que falavam com pessoas mortas e as viam como amigos.

Você pega o seu estado atual e projeta tudo no passado e isso se torna crível pra você. Qualquer coisa que você julgar ter acontecido no passado será colocado em um espaço da sua mente como sendo verdade. Não digo que não tenha tido o que alega ter passado, mas não foi da forma como você apresenta. Tudo agora está intenso e potencializado por uma violência sofrida por você.

E é nesse ponto que deve se focar: aprender a lidar com as projeções que faz nos outros e no próprio passado. Perceba como se refere ao seu ex-namorado: era o único que te trazia breves momentos de alegria. Mas namoraram por três semanas, apenas! E ele se mostrou ser um idiota monstruoso ao te atacar dessa forma.

Você diz que estava aprendendo a amá-lo e que ainda não estava apaixonada. Em três semanas! Perceba onde você erra: você joga nos outros aquilo que você sente e logo em seguida os responsabiliza por sua tristeza. Como pode afirmar que estava aprendendo a amar sendo que nem apaixonada estava? E em menos de um mês?!

Entenda: o que ele fez, ter te atacado, não foi sua culpa. Isso ninguém poderá impor a você: a responsabilidade por algo tão mesquinho e desumano. Ele é o responsável por não respeitá-la e tão somente ele deve ser o culpado por isso.

Mas você erra, sim, ao projetar demais. E não é que seja culpa sua, mas há uma consequência a ser arcada com esse tipo de comportamento. Você acaba não se conhecendo o suficiente pra entender como as coisas funcionam contigo. E tem o principal ponto nisso tudo: você só tem 15 anos, minha cara! Ninguém sabe de nada aos 15! Lógico que ser molestada como você foi não ajudará em nada, mas você se sentiria da mesma forma caso o visse saindo com outra menina: se sentiria um lixo, violada, violentada e humilhada. Porque é um primeiro relacionamento... você teve o azar de encontrar um idiota machista que não aceita “não” como resposta.

O que te falta são respostas para suas lacunas vazias no passado. Só assim irá parar de preenchê-las com qualquer coisa que justifique sua vitimização como a maior coitada que existe na Terra. Quantas adolescentes você conhece que se cortam? E que tem graves problemas de relacionamento com a mãe? E que se sentem a injustiçada da família? E que encontraram namorados imbecis e machistas que não as respeitaram? Eu posso te dar uma lista em qualquer lugar... aqui mesmo no blog tem vários casos.

Você sofreu uma violência que te deixou assustada e com razão. E isso aflorou tudo o que julgava ter acontecido com você, com todos os detalhes que você acredita ter mesmo alegando não ter memórias sobre a época. Calma, essa fase é ruim pra caralho, mas há de passar. Basta você aprender a parar de ter pena de você, parar de colocar a culpa na sua mãe e pai e entender que a adolescência é esse período de consternação e não inserção na sociedade. Se você tivesse tido uma suposta infância perfeita, iria usar outras desculpas para justificar seu estado de tristeza e solidão.

Quanto ao seu ex, mantenha distância, não ceda à chantagem emocional. Você não precisa ter contato com isso nem com esse tipo de gente. Ele te machucou e merece ser machucado. E eu conheço pelo menos uma meia dúzia de maneiras disso acontecer... mas são coisas que o seu Deus não permite.

Quer fazer algo com isso tudo que sente e pensa? Leia mais, veja filmes melhores, busque conversar com pessoas que possam te agregar algo, pare de se achar a traumatizada. Não queira ser essa imagem que você tenta passar porque você não é assim! Está mais do que óbvio que busca dramatizar demais a sua história...

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“Ele entrou no trem lotado, de costas e me puxou pra junto dele. Tive todas as partes do meu corpo tocadas”

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Querido Ogro!

Estava desabafando meu problema com uma amiga e fui presenteada com o seu blog. Há tempos procuro um lugar onde possa colocar pra fora todo esse rancor que me persegue e aliviar meu coração. Só de ler as histórias em seu blog já me senti diferente, tem tanta gente com um peso maior nas costas que a gente se envergonha de carregar os nossos como se fossem os mais pesados do mundo. É difícil escrever pra você. Já relatei minha história pra muita gente, mas aqui falo na primeira pessoa, não como se estivesse contando a história de alguém, como acontece normalmente.

Eu costumava ser feliz. Apesar dos problemas familiares, eu costumava ser normal, ser espontânea, ser positiva. Sempre fui aquela pessoa que chega à festa e todo mundo sabe que chegou, que nunca dispensava um sorriso ou uma companhia....E nunca costumava ficar solteira. Sou extremamente visual nas minhas memórias, e como você vai perceber no meu relato, tenho muitas memórias fotográficas dos momentos que vivi.

Em 2006 eu já namorava há quatro anos e era completamente apaixonada pelo meu namorado, apesar de viver uma relação doentia e desgastada. Em meados de abril daquele ano, sofri um acidente de ônibus. A motorista não viu outro ônibus parado no ponto e não desviou a tempo. Atravessei o vidro da frente do ônibus e sofri traumatismo craniano. É engraçado porque as pessoas acham que você apaga na hora, mas eu lembro inclusive do mundo girando antes de bater no vidro, e dos meus óculos atravessando a rua. Quando voltei pra casa, ainda de cama, questionei meu namorado o porquê ainda não ter me visitado. Ele disse que tinha horror de hospital, mas que também não poderia me ver aquele dia pois tinha futebol com os amigos e já havia pago a quadra, logo, não ia perder dinheiro. Pra mim aquilo foi o fim. Não bastasse isso, ele apareceu depois do jogo, com o time todo em casa, e não subiu pra ver como eu estava. A relação começou a decair e terminei duas semanas depois. Passamos três anos entre declarações e sofrimentos.

Em 2009 foi diferente. Estava com síndrome do pânico há algum tempo, ainda por causa do acidente: em alguns períodos me recuperava e levava uma vida normal, em outros me trancava em casa e não conseguia sair no quintal. Passei seis meses em casa, no auge da crise neste ano. Em meados de fevereiro reencontrei um amor de adolescência, que eu acreditava ser a salvação dos meus problemas.

Começamos a namorar em abril, depois de declarações devotas feitas por ele. Recuperei aos poucos a vontade de sair e aos poucos a vida foi voltando ao normal. Precisava de um emprego, de uma vida como a de todo mundo. Em junho consegui! Estava radiante, a empresa era boa, e eu tinha todas as oportunidades de crescimento que eu precisava pra começar a vida que eu buscava; apesar de não ser na área que eu tinha estudado era o que eu achava que podia fazer, já que estava afastada do mercado a tanto tempo. Mal sabia eu que o inferno estava só começando.

Na quinta-feira da minha primeira semana no trabalho fiz tudo como sempre. Estava frio, e eu fui trabalhar com um sobretudo. Parte do meu trajeto era feito de trem. Na porta da estação fui abordada por um homem de social, com o terno nos braços, me fazendo uma pergunta. Eu estava com o fone de ouvido e, quando tirei pra perguntar o que ele queria, ele me abraçou com o braço do terno e encostou um objeto na minha cintura, pedindo pra eu me calar e entrar com ele na estação. Imaginei que fosse um sequestro relâmpago, um assalto, qualquer coisa do gênero, já que isso virou ação corriqueira em São Paulo. Até o momento em que paguei o meu trem e me pediu pra passar. Aquilo não era um assalto. Assaltantes não pagam a passagem de quem estão assaltando. Às 18h as estações estão lotadas. Enquanto o trem não chegava ouvi todas as coisas mais nojentas que jamais pensei ouvir de alguém (hoje me pergunto como existem pessoas que tem fantasias sexuais com esse tipo de coisa).

Ele entrou no trem lotado, de costas e me puxou pra junto dele, me deixando encostada na porta. Foram os 10 minutos mais agonizantes da minha vida. Nem atravessar o vidro do ônibus foi tão assustador. Tive todas as partes do meu corpo tocadas enquanto continuava ouvindo os absurdos que ele falava, e não sei dizer o tamanho do vazio que dá se sentir exprimida por milhões de pessoas dentro daquele vagão e nenhuma perceber a loucura que você está vivendo. A estação seguinte era exatamente a que com maior fluxo, e fui jogada pra fora do trem, conseguindo me soltar do filho de uma puta.

Quando percebi que ele não me abraçava mais, corri até o final da estação, tentando fugir. Ele correu atrás. Quando ouvi o sinal de fechamento da porta corri pra dentro do vagão, rezando pra ele não entrar junto. Ele não conseguiu entrar, mas ficou na porta me encarando e rindo. Não sei como cheguei em casa. Sei que encostei na porta do outro lado e cai sentada na estação quando a porta abriu. Tomei cinco banhos aquele dia. O nojo e a sujeira não iam embora do meu corpo, e continuaram lá por algum tempo.

Fiquei um dia afastada do trabalho, porque tinha que fazer o boletim de ocorrência e todas as burocracias mais. Ironicamente fiquei noiva no dia seguinte. E solteira três meses depois. Meu namorado nunca mais tocou em mim. Nem de mãos dadas eu conseguia sair.

Não bastasse todo o fardo emocional que esse canalha me presenteou, volto ao escritório na segunda e começo a receber e-mails, ligações e convites de almoço executivo de dois chefes da empresa. Eu não sabia mais como reagir. Minha família cobrava que eu continuasse no emprego, o salário era bom e pagava todas as regalias que eu sempre tive. E eu não conseguia mais me abrir. Não conseguia contar em casa o porquê queria sair, tinha vergonha, afinal, na minha cabeça, a culpa era minha. Eu era magra, bonita, chamava atenção. Fui eu que causei todo esse mal.

Engordei 35 kg em três anos. Não saí da empresa. E quanto mais eu engordava mais os convites vinham, mais a nojeira continuava. É fato. Eu só fui violentada fisicamente no trem, por um estranho. Mas vivi três anos de violência psicológica no trabalho. Não aceitei nenhuma promoção, nem cresci na empresa como pretendia. Tirei tanta licença médica que parecia uma doente crônica. E com as licenças o assédio moral do resto dos funcionários crescia também. E eu continuava calada. Não tinha coragem de falar, era como se eu fosse viver tudo de novo. E eu não queria.

Foram três anos de aflição que eu estou me libertando neste e-mail. Em fevereiro entrei em licença pelo INSS e não retornei. Contei pra minha família, pra minha psicóloga e decidi fazer por mim. Perdi 20 dos 35 quilos que engordei. Voltei a olhar no espelho. Depois de três anos sem deixar ninguém encostar em mim, estou namorando um cara maravilhoso que entende todos os meus medos e me ajuda a ser melhor. Voltei a ter relações. Mas o vazio continuava ali. Eu precisava arrancar isso. E esta semana tomei coragem. Liguei pro dono da empresa e pedi as contas. Me desvencilhei do meu maior pesadelo. Da empresa e dos seus cretinos, do caminho diário pra casa relembrando aquele filho da puta.

Continuo com medo. Encontrei alguém capaz de me ajudar a enfrentar tudo isso, mas até que ponto ele vai ser forte o suficiente pra não cair fora feito meu ex? Tenho medo que o peso da minha história me faça perder alguém que tem me dado forças pra me recuperar, que me reensinou a amar. Mais que isso: me ensinou a me deixar ser amada, depois de tantos relacionamentos falidos e traumas.

Sei que foi longo e peço desculpas, querido Ogro. Mas você está me libertando de uma dor que não me deixa viver desde 2009. E sou imensamente grata por esse tempo que perdeu lendo essas linhas!

Abraços com carinho.

Minha cara desabada,

Finalmente desabou esse castelo de dores que te refugiava da vida há anos, hein? Chega uma hora em que todos construímos esses castelos, como uma fortaleza segura das dores que por ventura virão com o passar dos anos. Mas é um castelo feito de vários tijolos atirados e não recolhidos. É como se o que já tiver doído for o suficiente para evitar novas dores.

E qual o principal problema com esse castelo? Ele não permite que as dores antigas sejam dissipadas ou, ao menos, amenizadas. O medo de doer de novo é tão foda que preferimos nos agarrar ao que já doeu, ao que é normal para nós. Mas não é natural...

A gente não precisa desses castelos. Esses muros impedem que a vida chegue até você. O que é um cercado dado como seguro, é apenas um foco de amarguras, dores e agonias. E dificilmente alguém conseguirá transpor tais barreiras para te resgatar. Mesmo que tenha a intenção, é um peso muito foda e talvez você mesma não queira esse peso para outra pessoa.

Vejamos: uma “simples” ocorrência de molestamento te causou isso. Aos olhos de outras pessoas, isso não é nada de mais e nem é pra causar tanto trauma. De fato, poderia ser pior. Mas foi angustiante o suficiente para te abalar da maneira como abalou. Talvez fosse em outra época, o impacto seria diferente. Mas você já estava debilitada emocionalmente há anos e isso foi o ápice para te jogar na vala por outros longos anos.

E essa porra de vala emocional adora nossa miséria. Foi ali que construiu seu castelo.

Você é uma prova de que qualquer tipo de violência pode deixar sequelas incrustadas na alma, por menos que seja. E é algo que não pode ser amenizado ou “deixado pra lá”. Não há diferença na mancha deixada, seja em um estupro consumado ou um “simples” passar de mãos. É uma invasão, é retirar de alguém o poder de decisão sobre seu próprio corpo e suas próprias vontades. Você deixa de ter o arbítrio sobre o que é seu e passa a ser refém de um medo e um vazio aterrorizante.

A sensação de insegurança que se abateu sobre você foi devastadora porque não foi em um local a esmo onde nunca mais passaria. Foi em uma zona de constante presença sua e todo dia o mesmo fantasma te rondava pelos malditos trilhos daqueles malditos túneis. E a forma como foi o assédio te tirou qualquer reação a ponto de não suportar nenhum outro tipo de assédio. Muitas mulheres – muitas mesmo! – sofrem o mesmo tipo de assédio no trabalho, mas com você havia o peso do trem e daquele filho da puta nojento. E ele se tornou quase como a personificação de toda represália sua contra o ser masculino. Ao ser assediada no trabalho, você se sentia novamente tocada como no vagão. E sua reação era a de querer fugir mas não ter para onde ir. Não conseguiu fugir do trem, não fugiu do trabalho... e ficou presa em algo muito torturante por tempo demais.

Ao engordar, se tornava “feia” para você mesma e, com isso, achava que seria feia para outros e isso evitaria os assédios. Mas há muita gente com caráter debilitado que adora alguém debilitado emocionalmente. Há uma doentia atração por alguém que está quebrado. E por isso o assédio crescia: por te verem exposta ao tentar não se expor. Sim, há muita gente doente nesse mundo... talvez os “normais” sejamos nós, viu?

Acumulou demais e teu corpo respondeu da mesma forma: com acúmulos do que você não precisava. Nesse tempo todo, quantas vezes não vomitou ao chegar em casa ou ao lembrar de tudo no meio da noite? Era uma maneira de botar pra fora aquilo que não conseguia verbalizar. O corpo cobra um preço muito alto por esses acúmulos emocionais.

Mas agora você está voltando ao que considera ideal. Está buscando respirar e começou a sair do castelo. O medo é mais do que natural: é necessário. O medo é o que nos torna vivo e nos mantém aquecido. É o que te faz trancar a porta de casa, travar o carro, guardar dinheiro no banco e pagar plano de saúde. Sem o medo, viveríamos muito menos.

O problema é quando o medo vira pavor. O pavor engessa, te trava as pernas e a garganta, te impede de andar e de gritar. O medo é receio, o pavor é temor. Um é benéfico para te dar garantias; o outro é um bloqueio maléfico. Um é o passo parado para analisar o cenário; o outro é um passo atrás, para fugir de qualquer cena.

Queira mais para você. Lembre-se que, apesar de serem padrões, os homens que te fizeram mal podem e devem ser uma exceção. Não deixe que esses monstros ditem a forma como você vai viver. Não dê aos demônios que carrega dentro de você o gostinho de te ver sob poder daquelas mãos, daquelas propostas, daqueles olhares. Abaixe a cabeça, chore em silêncio, sinta a dor apunhalar novamente, mas levante um pouco a cabeça, olhe para eles e mostre o dedo do meio e mande um “foda-se” libertador!

Derrube mais esse castelo e mantenha as ruínas visíveis para te lembrar que é preciso precaução para te acolher. Só que queira se sentar no chão, fora do castelo, apenas para se permitir acreditar em algo novamente. Que tenha alguém do lado para te ajudar, como está tendo agora. Se ele não aguentar, paciência: outros virão. Não saberá se o outro vai suportar até se permitir deixar coisas para trás também e se desapegar dos antigos medos racionais e seguros. É bom andar pela rua com dúvidas e precauções sobre quem te cerca, mas é melhor ainda ter uma mão para segurar quando o medo rondar novamente em forma de pavor.

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“Acordei sentindo algo subindo no meu corpo. Quando abri os olhos, era meu cunhado passando a mão em todo meu corpo”

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores: , 23 comentários
Querido Ogro:

Bom minha história é mais ou menos assim: eu tenho 17 anos e, quando completei 16 anos teve uma festinha na minha casa, nada muito grande. Quando deu certo horário, todos foram pra suas casas, mas meu cunhado dormiu aqui. Era pra ele ter dormido na sala com minha irmã só que ela o levou pro meu quarto e minha cama é ao lado da dela.

Acordei umas duas e meia da manhã sentindo algo subindo no meu corpo, até pensei que era algum bicho. Quando abri os olhosm era meu cunhado passando a mão em todo meu corpo, sinto nojo até de lembrar tudo que ele fez. Nós nunca transamos, mais essa não foi a primeira fez que ele fez isso. Mas com um tempo não aguentei ficar calada e falei aos meus pais sobre a primeira vez ele que fez isso, mas tive medo de falar sobre as outras vezes, e agora não tenho nem coragem de falar mais.

No inicio de tudo quando os meus pais ficaram sabendo, começaram a tratar o meu cunhado estranhamente, só que com uns meses após era como se nada tivesse acontecido, ele continua com as mordomias aqui em casa, e quando ele faz algo que eu não gosto aqui eu tenho que ficar calada sem reclamar porque se eu falar algo meus pais brigam comigo.

Já não sei mais o que fazer, comecei a ter insônia, medo de várias coisas, uma delas é que eu não consigo mais ficar sozinha com meu pai porque tenho medo dele fazer a mesma coisa comigo. Meu pai sempre foi meu espelho, meu herói mais de uns dias pra cá só sei ter raiva dele. Toda dia que meu cunhado chega aqui em casa eu me tranco no quarto e choro, estou ficando desesperada sem saber o que fazer às vezes me dá vontade de sair de casa, outras vezes choro feito criança.

Minha irmã não é casada com meu cunhado, ela tá noiva dele há quatro anos (ela não sabe de nada, porque mesmo que eu dissesse a ela, não acreditaria) e sei que nunca irão casar porque tudo que eles querem aqui eles tem. Meus pais querem que eu o trate normalmente mais eu não consigo, dele só consigo ter ódio só isso. Mas no meu ponto de vista era como se meus pais já tivessem esquecido tudo que acontece.

Eu tento esquecer mais é impossível, o ver todo dia na minha casa só me maltrata, é como se eu revivesse tudo de novo. Tento procurar um psicólogo mais não tem como, porque sempre que tento comentar o assunto com eles mais eles fogem.

Eu não consigo mais conviver com ele dentro da minha casa, falo todos os dias aos meus pais que não o suporto mais é como se já tivessem acomodados a essa situação. Me da uma ajudinha ai Querido Ogro!


Minha cara perdida,

Primeiro: calma! Está tudo recente e em crescente transtorno. Quanto mais tenta não pensar nisso, mais você se vê presa ao pensamento e à sensação. Ainda mais por vê-lo todos os dias. E fatalmente a cara com que ele olha para você não ajuda, certo? Aquele olhar de quem come com os olhos, de quem tem algo seu e que pode usar quando quiser. É quase como se ele se sentisse dono de você só por ter sido “macho” de ter feito o que fez.

Eu conheço esse olhar nojento. O vejo por aí, em cada homem que corre para a calçada ao ver uma menina descer a rua, ao ver uma mulher com decote no ônibus, ao parar o carro para secar alguém com as pernas à mostra. Mas no caso dele, o olhar é ainda pior... é mais repugnante, te traz mais dor ao estômago.

Mas vamos lá: o fato dele não ter transado contigo não muda nada. É a mesma invasão, o mesmo desrespeito, a mesma violação. E te causa o mesmo transtorno, revolta, dor e culpa. Sempre cai um “será” na cabeça nessas horas, não? Será que se eu tivesse gritado, ele teria parado na primeira? Será que se eu tivesse contado para minha irmã, ela acreditaria? Será que eu gostei? Será que eu incentivei esse comportamento? Será, será, será?

Nessas horas, a pior dúvida é justamente a dúvida que corrói e não para de martelar. Mas espero que consiga entender o fator primordial disso: NADA do que você possa ter feito justifica isso. NADA. Uma camisola de dormir mais curta, um pijama mais transparente, uma brincadeira inocente... Você estava na sua casa, ao lado de pessoas que confia e se sente à vontade. Nunca iria esperar isso dele. Portanto, o erro não foi seu, foi dele! Isso precisa mesmo ficar claro pra você.

Outra coisa: não se sinta culpada por não ter contado à sua irmã ou, ainda, por ter contato aos seus pais. Não é algo que deva ter vergonha, apesar de se envergonhar por ter sofrido esse abuso. Entendo que a forma como eles lidaram foi a menos indicada, mas ainda assim você criou coragem para verbalizar isso de alguma forma, assim como fez comigo. Isso é bem necessário para que você consiga assimilar o que sofreu e não ter medo de continuar a falar.

Os seus pais lidaram com isso da forma como a maioria lida: vamos jogar em uma gaveta para que ninguém mais toque no assunto e sigamos “felizes para sempre”. Eles fingem que não sabem, você finge que está tudo bem e tudo segue assim. Mas você precisa de alguém que te dê o mínimo de segurança. Ainda mais com esse filho da puta morando em sua casa!

Por isso pegou descrença no seu pai e até teme que ele faça o mesmo. Suas referências masculinas estão abaladas justamente por ele não ter tido a coragem de socar na cara aquele monstro que subiu em você. É o que se espera de qualquer pai, de qualquer homem, de qualquer ser humano: que soque um canalha desses. Você mesma tem vontade disso toda vez que o vê. E se sentiu desamparada quando mais precisou de um protetor.

Eu tenho um conselho bem radical para isso: durma com uma faca embaixo do travesseiro. Sim, uma faca! Isso te trará uma muleta de segurança para chorar menos e sentir menos medo. E se ele aparecer em sua frente novamente, tire a faca e mostre para ele e diga que não terá medo de usar caso ele tente algo de novo. Pode parecer que não, mas esses covardes morrem de medo de serem confrontados, por isso usam da manipulação emocional e psicológica. Usam de ameaças, de olhares inquisidores, de risadas maliciosas e sarcásticas, mas no fundo morrem de medo de serem expostos. E justamente por ser você a que tem o poder de o expor, ele vai tentar te calar o máximo que puder.

Mas você tem poder sobre ele, não o contrário.

Ainda acho que deveria conversar com sua irmã. De forma bem aberta e clara, sem tentar amenizar o impacto disso sobre ela. Abra o jogo quando estiverem as duas sozinhas, diga que não se sente à vontade com ele porque ele já te molestou, diga quando foi e que você nunca provocou isso. Por mais que ela tente te culpar, saiba que será uma fuga para tentar justificar uma realidade conturbada. É natural que ela te culpe a princípio, apesar de não ser o esperando nem o ideal. Só que é melhor você tirar isso de você, até mesmo para te ajudar a se precaver da presença dele.

Ao relatar para ela, inclusive que seus pais sabem, você terá um motivo para não querê-lo em seu quarto, em sua companhia, em nenhum lugar! Por mais que ela não acredite em você, ainda assim ela irá desconfiar se essa história não tem um fundo de verdade. E não gostará de vê-lo perto de você, o que até será algo a favor agora.

Ou se não está tão confortável para contar a ela, entre pela tangente: diga que uma amiga sua está passando por isso e pediu conselhos a você. Conte a sua história como sendo a de uma amiga e veja a reação dela. Isso te dará um pouco de orientação sobre como ela irá agir quando contar que a amiga, no caso, é você.

O mesmo deve fazer com seus pais: confronta-los. Aproveite que o assunto está em pauta e use isso. Mostre que você está fragilizada, que precisa de ajuda, de carinho de verdade, de proteção. Cobre deles a responsabilidade deles ao se calarem ante algo tão abominável. Você tem 17, está em uma fase onde é normal questionar e confrontar os pais. Use disso, faça da sua idade algo a seu favor. Por mais que te tachem de louca, de surtada, de qualquer coisa. Você sabe que não é assim e você sabe que o que aconteceu a você é algo horrível. Não está errada em querer que façam algo. Porra!

Apesar de se sentir sozinha, não está sozinha. Tanto é que encontrou meu blog, não? E criou coragem de falar sobre isso comigo. Assim como outras meninas por aqui. E de certa forma, isso te deu coragem para se expor, mesmo que ninguém aqui saiba que você é você. Foi preciso muita coragem para me mandar esse e-mail. Isso prova que está com vontade de combater esse medo que te toma conta.

Faça isso: tente verbalizar com eles, durma com a faca e não tenha medo dele. Não sei como tem sido a postura dele com você desde então, mas saiba que é ele quem precisa ter medo de você. Porque a qualquer momento você pode ir a uma delegacia ou ligar para o Disque 100 e denunciá-lo. Entendo que recorrer a isso é se expor, mas ainda assim é uma outra alternativa que deve tentar para se sentir menos insegura.

Sua casa precisa ser seu refúgio, não seu cativeiro. Se está em uma guerra interna, faça do seu quarto justamente uma trincheira. Se arme, não tema, saiba que está amparada por milhares de pessoas que sofreram coisas parecidas e que sabem o que você está sentindo. E muitas se armaram para combater aquele que sobe em sua cama nos seus pesadelos. Isso precisa ser combatido internamente.

Se precisar, me mande outros e-mails e conversaremos apenas nós dois.

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“Quando tinha 8 anos fui estuprada durante alguns meses pelo meu irmão mais velho”

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores: , 41 comentários
Querido Ogro,

Bom, quando tinha 8 anos, aproximadamente, fui estuprada durante alguns meses pelo meu irmão mais velho. Na época não entendia nada, só quando cresci é que fui perceber o quanto mal ele fez comigo. Sofri muito pois tenho uma mãe muito religiosa que não deixava de falar um só dia que eu teria que me casar virgem. Apesar de fazer de tudo para deixá-la orgulhosa (mesmo ela não dando valor algum), ficava cada dia mais deprimida, pois esse orgulho a ela eu sei que nunca vou conseguir dar e isso foi me corroendo com o passar dos anos. Me trancava em meu quarto, passava semanas sem comer, sentindo nojo de mim e a cada vez que ela falava algo, me matava cada vez mais, pois o que ela não sabia e não sabe ate hoje é que o filho "tão perfeito" dela acabou com a vida de sua outra filha.

Sim, considero que ele acabou com minha vida. O pior de tudo é que ele pensa que eu não me lembro de nada, aí tenho que agir como se minha memória tivesse sido apagada e nada tivesse acontecido. Consegui "perdoá-lo" apesar de tudo... às vezes me culpo, acho que eu podia ter evitado, mas eu era tão inocente, não sabia mesmo o que ele fazia comigo.

Hoje tenho 17 anos e namoro um rapaz da mesma idade. O amo muito, mas sinto-me culpada por enganá-lo, pois ele acha que ainda sou virgem. Ele é do tipo quieto que sonha em tirar a virgindade no casamento e tenho medo de contar tudo e ele me largar ou não conseguir armazenar isso. Creio que iremos nos casar rápido, pois é esse nosso plano, mas como agir depois?! Já pensei em contar meia verdade, que fui estuprada, sim, e que é por isso que às vezes ando triste, mas que fui por um vizinho ou alguém desconhecido. Como posso contar que foi pelo meu irmão, sendo que convivemos com ele todo dia?! Definitivamente é algo muito difícil... não sei se devo contar.

Pra minha mãe também não tem como pois ele é um filho perfeito pra ela. E depois que li o depoimento de outra garota com historia parecida com a minha, desisti mesmo, pois a mãe dessa garota a acusou de ter dado em cima do irmão pois sempre andava de pijamas pela casa. Por isso essa é bem provável que minha mãe fique do lado do meu irmão. Aí onde vou viver? Ele provavelmente me expulsa de casa. E é capaz de esconder tudo do meu pai, pra proteger ele.

Sabe sei que tenho que procurar ajuda psicológica e ir ao ginecologista pois posso ficar estéril, mas não tenho como pagar, não trabalho e a cidade aqui é muito pequena para eu procurar ajuda em um posto publico. A única certeza que tenho é que se eu não puder ter filhos, pelos anos que estou sem fazer acompanhamento, ai sim não vou conseguir perdoá-lo nunca.

Às vezes chego a tomar cinco banhos por dia, mas não adianta, não alivia.... Já pensei tantas vezes em me suicidar, talvez evitaria que minha família acabasse caso soubessem de toda a verdade. Me sentiria culpada, com vergonha e com mais nojo de mim ainda... Ontem estava tão triste que resumindo tudo: se as paredes do meu quarto pudessem expressar todo sofrimento que vivi, não fariam com palavras, apenas com lagrimas!

O que você acha que devo fazer? Me ajuda, por favor!

Minha cara encurralada,

O que você precisa, agora, é respirar. Não entre nessa paranóia toda porque não é o fim do mundo. Sua família não terminará por sua culpa, não irá frustrar ninguém por não ser mais virgem e nem será motivo de decepção. Calma que o que precisa é entender toda a situação e ver com mais clareza e começar a ter outro ângulo de tudo. Sei que não é nada fácil e que o peso disso parece aumentar a cada dia: quanto mais pensa, mais sente e quanto mais sente, mais pesado fica.

Ainda é nova demais, a vida vai começar agora a te cobrar posturas e atitudes e nesse período de adaptação irá ficar sem referências. E as referências que tem agora não estão te ajudando em nada. Por isso mesmo deverá abrir mão delas. Sim, precisa desapegar de alguns preceitos que lhe foram ensinados como irretocáveis. Sua mãe é muito religiosa e fatalmente te colocou alguns padrões morais ultrapassados e que não estão ajudando nesse momento. Isso de ter de casar virgem é um deles: a intenção tem de ser uma opção sua e não de uma doutrina. Ainda mais nesse caso, onde não houve intenção alguma por sua parte.

Você sabe não tem como sua mãe saber mesmo que tivesse transado semana passada sem o consentimento dela. O motivo pelo qual a desapontaria não é esse porque não há desapontamento aqui. Acho que está pegando tudo pelo lado errado da coisa e justamente por isso se vê desamparada.

Essa sua busca pela aprovação de sua mãe reflete muito nessa preferência dela por seu irmão. Quando diz que tenta deixá-la orgulhosa “mesmo ela não dando valor algum”, mostra que em tudo busca a atenção dela para a pessoa que você é: sensível, carente, que precisa de mais apoio e compreensão e de menos dedo em riste e acusações.

E como você pode acreditar numa educação onde privilegia um irmão como esse e recrimina uma vítima como você? Sério: não leve tão a sério assim o que sua mãe fala “em nome de Deus”, pois se ela educou também um mostro como ele, de fato errou em alguma coisa muito séria. A culpa não é toda dela, mas teve grande responsabilidade.

Outro exemplo de que esses preceitos religiosos estão te sufocando: disse que conseguiu “perdoá-lo” e usa aspas ao afirmar isso. Sinal de que o perdão está sendo superestimado por aquilo que você aprendeu como o único meio de ser feliz: praticando o perdão. Não, não há como perdoar seu irmão pelo que ele fez. É inadmissível aceitar isso com essa retidão e devoção que a religião prega. Você tem, sim, todo o direito de odiá-lo. E ainda mais: tem o dever de não tentar ser “superior” a ele ao tentar perdoá-lo. Ainda mais agora, aos 17! O mundo precisa que você seja um pouco mais rebelde... mesmo que internamente, mesmo que veladamente.

Natural que se culpe pelo que aconteceu: acha que deveria ter lutado mais, que desistiu facilmente, que de alguma forma causou isso e que a culpa é sua. Posso ficar por parágrafos e mais parágrafos tentando te convencer do contrário, mas a verdade é que realmente a culpa não foi sua. Sentir culpa não quer dizer que você tenha sido culpada. Sentir culpa faz parte do processo que tem de passar para conseguir assimilar toda a avalanche de informação que caiu sobre você.

Ao 8 anos, não há nenhuma formação sexual, não há malícia na criança. Entenda isso, sinta isso: você era uma criança e não há nada que você tenha feito que pudesse ter estimulado o que ele fez. Busque referência em uma criança com a mesma idade hoje e veja se seria possível ela revidar ou ainda ter estimulado algo. Verá que não.

Quanto ao seu namorado, não conte nada ainda. Estão juntos há pouco tempo e não é hora pra se expor tanto, até porque ele também é inexperiente. Mesmo que sua pretensão seja casar, nessa época da vida é muito comum os grandes amores se dissiparem com o virar de um dia. Não há garantias de que estarão casados daqui um ano, muito menos se estarão juntos. Espere, deixe o tempo agir sobre a relação e sobre vocês. Um dia, quando estiver preparada, saberá como envolvê-lo nisso. Mas agora apenas espere... não está o enganando em nada.

Mas o fundamental nisso tudo é: você ainda é virgem. Talvez não fisicamente, mas emocionalmente e mentalmente, sim. Você ainda não transou por vontade própria, ainda passará pelo nervosismo da primeira vez. Acontecerá contigo da mesma forma como acontece com toda adolescente da sua idade. O que você sente agora não é por causa do que aconteceu: sente por ser natural em toda menina nessa fase. Todo esse medo da mãe descobrir, do namorado se frustrar, tudo isso já aconteceu com milhões de mulheres. Esse teu impasse e medo são mais inerentes à idade do que ao trauma ocorrido.

E não fique pensando nisso de ser infértil ou que te causou algum problema físico. Se algo mais grave tivesse acontecido, você teria manifestado alguns sintomas já naquela época. Precisa ir a um ginecologista, sim, mas para fazer todos os exames habituais que toda mulher tem de fazer logo quando começa a menstruar. O medo que tem é de descobrirem o que te aconteceu no passado, como se ficasse uma digital disso exposta. Não é assim, fique tranqüila que não vão sair do posto de saúde dizendo que você foi estuprada no passado.

É um dia de cada vez que tem de andar, não tem jeito. Sei que sente falta de alguém que possa contar sobre isso, tanto é que me escreveu um e-mail. Esse mesmo e-mail está lá, aberto a qualquer hora que quiser desabafar sobre isso e aliviar um pouco o peito. Terá dias piores e terá dias ótimos.

É uma eterna caminhada essa coisa de superar um problema. Mas é possível e temos casos aqui nesse blog. Se quer usar algum como exemplo, mire-se naqueles onde as pessoas que me escreveram conseguiram, sim, respirar depois de uma dor igual a sua. Elas passaram pelo mesmo que você passou e você estará onde elas estão. Calma, confie em mim... apenas queira respirar e daremos um jeito.

O que precisa agora é entender isso: você era uma criança, o errado foi ele e não você; não há porque se preocupar em suprir as expectativas da sua mãe, isso é opressor demais; teu namorado não saberá que você não é mais virgem e não se preocupe em tentar incluí-lo nessa parte da sua história agora, é cedo demais; questione alguns desses conceitos religiosos sob os quais foi educada, eles não serviram para educar seu irmão; e se suicidar não vai resolver nada pois a sua presença neste planeta não é empecilho para ninguém.

Você precisa sentir um pouco de raiva e se rebelar. Não queira seu irmão por perto, não tente ser aquilo que esperam que seja: seja o que você é e manda um foda-se para o alheio. Esse mesmo alheio não sabe pelo que você passou nem como isso dói em você. Só você sabe dessa dor e o quanto ela te tira o foco das coisas. Rebele-se um pouco contra o mundo e contra esse Deus que permitiu isso acontecer.

Uma menina inocente foi injustiçada aos 8 anos... defenda-a!
Seja você a protetora dela e ela te protegerá de volta.

Questione, rasgue alguns conceitos e padrões. Dê vazão a esse sentimento que represa tanto. Mas faça isso contra o mundo, não contra você. Lembre-se: de todos os envolvidos, você é aquela que não tem culpa alguma.
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“Minha namorada foi estuprada e quero ajudá-la”

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores: , 37 comentários
Querido Ogro,

Bom, contar esta história é meio complicado pois tudo o que tenho são alguns fragmentos do que realmente ocorreu. Estou namorando uma garota há aproximadamente 6 meses e ela é definitivamente a pessoa mais maravilhosa que já conheci, super engraçada, sempre de bom humor (mesmo em situações que ela claramente não gostaria de estar) e faz de tudo para agradar os amigos, família e a mim.

Cerca de um mês depois que estávamos namorando tivemos nossa primeira relação sexual (eu nunca forcei nada, muito pelo contrário sempre respeitei muito, toda vez que eu tentava alguma coisa e ela me pedia para parar eu sempre parei) e nas primeiras vezes foi tudo ótimo mas algum tempo depois eu comecei a perceber que durante o ato e depois ela ficava muito estranha, quieta e as vezes até me pedia para não tocá-la... eu não entendia muito bem o que estava acontecendo, mas sabia que devia ter acontecido alguma coisa muito ruim com ela, sexualmente falando.

Então um dia, chorando, ela me contou que quando tinha 17 anos (hoje tem 20) ela estava em uma festa e estava ficando com um cara que a chamou para uma caminhada... ela foi e o sujeito acabou arrastando ela pra dentro do carro dele e então pra casa dele e a estuprou. Antes disso eu nunca havia tido contato com nenhuma pessoa que havia sido estuprada e tudo o que eu consegui fazer foi chorar e essa conversa foi muito difícil, pois ela estava em outro Estado e nós estávamos conversando por videoconferência no Skype e eu não podia abraçá-la e nem nada do tipo...

Um tempo depois, o assunto voltou a tona e eu me segurei pra não chorar de novo pois eu não queria que ela achasse que eu sinto pena dela e tentei dizer pra ela que o que aconteceu não foi culpa dela, que o cara foi um belo filho da puta (não com essas palavras) mas ela ficou super brava comigo e disse que sim, foi culpa dela. E eu perguntei porque ela achava isso, então ela disse que ela podia ter gritado mais ou lutado mais ou ter feito qualquer outra coisa do tipo... E eu continuei tentando argumentar que não era culpa dela, o que fez ela ficar super brava comigo, me deixar falando sozinho e não querer me ver ou mesmo atender o telefone por quase 2 dias.

Ela me confessou que ela tem pesadelos todas as noites e muitas vezes tem flashbacks durante o dia, eu sei que isso ocorre mas ela não quer mais se abrir comigo. Eu quero ajudar, mas essa minha tentativa de não sentir pena dela fez com que ela achasse que eu não me importo com o que aconteceu com ela e que eu não sinto nada (mesmo eu tentando me explicar de todas as maneiras possíveis) e o fato de não conseguir dizer a coisa certa também foi outro fator que levou ela a evitar de falar comigo sobre isso.

Eu quero ajudar, eu quero dividir este fardo com ela. Mas pelo jeito tudo o que eu fiz até agora foi piorar o sofrimento dela quando tentei. Eu preciso de ajuda pra saber como eu posso ajudar ela, o que eu devo dizer, como fazer pra ela confiar em mim de novo e se abrir sobre isso. Por favor, querido Ogro, me ajude. Estou desesperado e não sei mais o que fazer... Obrigado pela atenção.


Querido Ogro

Bom, eu tenho uma namorada que foi estuprada há cerca de dois anos e meio pelo tio. Ela fala que foi abusada e não houve estupro, mas eu sei que houve porque ela fala quando dorme e nunca mente. Ela fica um pouco insegura e eu queria ajudar e sei que com jeito ela vai me contar, eu queria resolver isso porque logo vamos nos casar.

Mas o problema maior é que eu sei há duas semanas e não durmo direito, só pensando em vingança. Mas eu queria uma forma de pôr ele na cadeia, porque se ele não for preso vou acabar matando ele. Gostaria de alguns conselhos e o que devo fazer nos primeiros passos para ajudar ela e punir ele. Desde já agradeço e fico no aguardo.


Meus caros,

Dois namorados com situações parecidas e ambos tentando ajudar de alguma forma. Por isso coloquei os dois e-mails juntos, pois a resposta é a mesma para ambos: respeitem o tempo de suas namoradas!

Acho do caralho se colocarem a disposição para ajudá-las, mas não dá pra impor a elas que falem sobre isso quando ainda há muita dor e culpa e revolta dentro do peito e da cabeça. Não dá pra julgar quem passa por isso pois cada uma tem uma reação diferente, apesar de passarem por fases parecidas.

Entendam: toda mulher que passa por um trauma desse se culpa muito pelo que aconteceu. E se culpa de diversas formas e por diversos motivos. É natural que se sintam responsáveis pelo que aconteceu, que deram sinais pro cara fazer isso, que deveriam ter feito isso ou aquilo de forma diferente... Há uma fase em que só conseguem gozar se pensarem na violência sofrida e se culpam ainda mais por isso; há outra fase que mesmo uma pequena excitação reviverá todo o trauma e fará com que caiam em desespero.

Ter de lidar com esse problema em família é sempre angustiante pra elas. Sempre acham que o pai vai ser extremista (ou culpá-la ou querer se vingar do estuprador), sentem que a mãe vai se culpar junto por ver a filha passar por isso, sabem que amigos ou vão se afastar por não saberem o que fazer com isso ou vão se aproximar por acharem que são “fáceis” demais. Essa é uma das coisas mais machistas que fazem a uma mulher estuprada: “ah, se ele pôde, eu também posso!”. Acredite: tem MUITO homem que pensa assim... São os mesmos que acha que a mulher só foi estuprada porque estava dando mole, estava “brincando” e deu pra trás na hora H e “sabe como homem é, né? Não perdoa!”.

Percebe como tudo vira um fardo enorme? Ainda mais aliado ao fato de que estão tentando viver da maneira que conseguem, se apaixonando, querendo ter relações, sentindo desejos e frustrações como todo ser humano. Mas haverá sempre essa sombra, esse vulto pronto pra atacar na penumbra do quarto.

De fato, a pior coisa que alguém pode sentir por uma vítima de violência sexual é pena, aquele famoso olhar de piedade e o suspiro “ah, coitada de você”. Por conta disso, se fecham ainda mais, pois a última coisa que precisam é dessa porra de piedade. Não são coitadas nem traumatizadas: apenas passaram por um trauma e precisam de ajuda.

Uma boa forma de ajudar é deixarem-se sempre a disposição pra ouvi-las, mas sem que isso soe como uma pressão. Ajudar não é uma obrigação e elas precisam ver que não estão sendo obrigadas a falar nem sentirem que vocês estão sendo obrigados a se importar e a ajudar a qualquer custo. Pouco importa se vai se casar logo e “precisa” resolver isso logo. Não, você não precisa: quem precisa é ela! Assim como não tem que “dividir fardo” porra nenhuma: ela não vai querer que isso se transforme em um problema pra você, também. Já basta ser pra ela...

O lance é mostrar nos gestos, nas palavras não-ditas, nas frases não-faladas. São os gestos que as deixarão confortáveis pra falar o que quiserem e como quiserem. E quando falarem com vocês, não peçam detalhes do estupro em si. O que precisam saber é que aconteceu e o que ela mais tiver vontade de falar.

Quanto a denunciar o que aconteceu, isso precisa mesmo partir delas num estágio mais pra frente. E mesmo que não queiram, não há como forçar. É expor alguém de uma forma muito íntima e vexatória, apesar de não ser motivo para sentir vergonha.

Uma boa forma de falar sobre isso é justamente na internet, longe dos olhos de piedade ou reprovação. Se abrir assim é um pouco mais libertador e menos doloroso. É o que acontece com as minhas meninas aqui: sentam e escrevem sem medo e sem esperar julgamento. Apenas querem desabafar. Às vezes suas namoradas precisam um pouco disso e só: um simples desabafo pra poder continuar a viver.

Se for o caso, dê um jeito de apresentarem meu blog e os textos relacionados a esse assunto. Ajuda muito ler que outras pessoas sentem o mesmo que só elas sentem. Podemos transformar o espaço dos comentários deste texto para que as outras meninas que já me contaram suas histórias possam ajudar. Tudo anônimo, sem medo ou pressão. E a culpa fica do lado de fora pois aqui ninguém julga ninguém. Somos todos fodidos e putos da vida e querendo continuar a viver, também!

No mais, sigam prestando atenção nos detalhes, sejam carinhosos e compreensíveis, não dêem uma de macho querendo sair fazendo justiça... Respeitem, respeitem e respeitem. Se durante uma transa ela parar e chorar, apenas pare e abrace. Se desligar o telefone ou a internet na sua cara, respire fundo e espere ela respirar também.

Serão recompensados e ficarão gratos... desde que elas se sintam recompensadas e gratas. Portanto espero que tenham realmente discernimento e responsabilidade pra conseguirem esperar e atende-las no que precisam.

Não há melhor recompensa do que a confiança e a gratidão de alguém que passou por isso.
Eu sei do que falo e não tem como precificar isso. Vale muito a pena.
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“Estou acima de meu peso, faço isso porque quero, tenho medo de ficar ‘gostosa demais’ e provocar um outro estupro”

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores: , 16 comentários
Querido Ogro

Por diversas vezes procuro relatos de pessoas que sofreram abusos ou foram estupradas para que eu possa pelo menos tentar me encaixar nesta porcaria de sociedade. E hoje encontrei seu blog por acaso. Quando você disse para uma garota que dá um alerta às mães sobre o perigo (do abuso infantil) estar dentro de casa, eu compreendo e digo-lhe que vivi isso intensamente.

Decidi, após ler casos semelhantes aos meus, contar-lhe minha vida. Digo “casos” porque eu sou uma filha da puta azarada de plantão! Mas ainda sim, não pareço ser, porém viver de aparências causa em mim dores emocionais e físicas, que em mesmo com terapia (há cinco anos), elas não se vão.

Quando eu era crianças (por volta dos 4-5 anos) vivia com babás, uma delas me levava até a casa dela e tinha relação com o namorado na minha frente. Mesmo com tenra idade ainda consigo me lembrar da colcha amarela da cama nojenta daquela desgraçada, que como se não bastasse me fazer presenciar isso, ainda e me batia. Lembro-me também que eu esperneava e chorava muito quando ela dizia que ia me levar à casa dela, mas minha mãe, que sempre pareceu querer se ver livre de mim, permitia, por mais que eu lhe implorasse e hoje ainda me pergunto, será que nada passava pela mente de minha mãe?

Mesmo passando por esse tipo de experiência, cresci com desavenças infernais com minha mãe, mas mesmo assim, cresci uma garota normal, batia em uns meninos ali, brincava com outros, mas sempre boa aluna no colégio, até demais.

Aos 11 para os 12, meu avô, que era maravilhoso comigo, adoeceu, teve câncer e eu sempre ia lá e dormia na casa dele e da mulher, até pra cuidar de minha tiazinha que tinha 1 ano na época, a família estava toda preocupada, pois não havia mais solução para sua doença.
Numa dessas noites um de meus tios chegou com seu carro e antes dele entrar eu já entrei no carro dele achando que ele me levaria para minha casa ele me colocou no seu colo e começou a me tocar nos seios, eu tentei me esquivar, mas ele continuou, até que meu outros tios, que eram crianças, filhos do 2º casamento de meu avô, também entraram no carro. Para mim foi um dia de muita tristeza, matei todo o amor que tinha por ele. Cheguei em casa, contei para minha mãe e ela me disse que não era nada, que ela apenas tinha tocado no meu "peitinho" , aquilo me deixou mais arrasada, pois ela supostamente deveria me proteger e não acreditou em mim.

Uns meses depois fui ao sítio de meus vizinhos, foi minha mãe o casal e o filho mais novo. Eu estava empolgada com a ida, pois apesar de morar em uma cidade do interior o contato com animais do campo(exceto o meu tio rsrs) era incomum. Fui então conhecer o galinheiro, junto com o menino e com o marido de minha vizinha, o lugar era no fundo do sítio e como todo sítio, era longe de qualquer propriedade, lá o homem que tinha idade para ser meu pai,tocou e acariciou meus seios, nádegas e minha coxas, eu dessa vez não tentei me esquivar, fiquei imóvel , mas o cara não podia fazer muito mais porque seu filho de 7 anos estava conosco, então ele sugeriu que fôssemos todos ver uma tal árvore antiga do bairro que eu recusei e tenho certeza que foi a melhor decisão de minha vida. Novamente contei para minha mãe que zombou de mim, lembro-me de ficar deitada atônita no sofá naquela noite me perguntando o porquê daquilo acontecer 2 vezes seguidas comigo.

Cresci vivendo relacionamentos atormentados e nunca acreditando que o amor aconteceria para mim, nunca acreditei no amor e confesso que ainda não acredito que ele exista para mim, pois ainda hoje penso que os homens apenas se aproximam de mim para sexo. Em 2005 minha mãe faleceu, perdi um namorado, meu emprego e quase perdi meu pai por infarto, tive depressão em 2006 e procurei ajuda de uma psicóloga que frequento até hoje.

Em 2007 quando me formei na faculdade, resolvi me dar um prêmio, viajei sozinha para algumas cidades e depois fui para a casa de uns parentes na praia. Nesse ano eu tinha um contato na net com um moço lindo, que também morava lá, mas era de Curitiba, ele era alto, forte, olhos azuis, loiro e eu nunca fui um símbolo de beleza e o fato dele ter se interessado por mim, me encantou. Cheguei na praia no final de 2007, ele me ligava todo dia super amoroso e queria sair comigo a todo custo, achei legal, mas só saí com ele dois dias depois. Eu ainda era muito inocente, tinha tido poucos relacionamentos sérios, eu tinha 25 anos e tinha perdido a virgindade aos 22, nunca tinha tido um sexo casual e nem imaginava que a intenção dele era aquela.

Saímos e ficamos, nada além de beijos, ele queria me levar embora, eu disse que pegaria um táxi, ele insistiu e disse que tinha que passar no mercado antes, pois iria viajar no dia seguinte e precisava comprar algumas coisas. Eu, idiota concordei. E depois do mercado ele disse que tinha que pegar algo em casa, que seria rápido, pediu que eu entrasse, pois era noite e não era seguro permanecer no carro , devido a onda de assaltos. Assim que eu entrei, ele trancou a porta do apartamento e me deu vinho para beber, eu peguei mas disse que não queria, ele me deu assim mesmo e disse que seria muito feio de minha parte negar. Eu bebi muito pouco, não tenho o hábito de beber e com isso fico atordoada logo.

Ele foi até a janela mostrou me uma parede cheia de buracos, disse que ali praticava tiros, mostrou -me então sua arma, que eu não sei dizer qual era, pois era a primeira vez na minha vida que tinha visto uma. Ele colocou a arma em cima de um criado mudo, começou a me beijar e eu o empurrei disse que tinha que ir embora e que não ia fazer nada com ele. Então ele me grudou pelo braços jogou me na cama , que ficava na sala e me disse que não me machucaria se eu fosse boazinha, ele me virou e fez sexo anal comigo, me deixou olhando pra arma...

Fiquei imóvel assim como na minha infância,não me lembro da dor, eu nunca tinha feito sexo anal antes, eu só me lembro de querer que tudo aquilo terminasse. Ele ainda me levou embora, eu fiquei por lá mais 20 dias e não tive mais contato com ele, não contei isso para ninguém, nem para minha terapeuta até abril de 2008.

Em 2008, eu estava nervosa, acima do normal, descontrolada e era óbvio que eu tinha uma razão. Participei de um retiro espiritual em fevereiro, conheci um moço muito bom, que quis me namorar, mesmo no retiro, lembro-me que me incomodava ficar perto dele, uma dia fomos escutar músicas no carro dele e eu não fechei a porta, por mais que ele tivesse pedido, eu tinha medo dele me tocar. Namoramos e eu não deixei ele me beijar ou me tocar, por medo, ele achava que era algum tipo de propósito e me respeitou.Não ficávamos sozinhos nunca e como ele era de outra cidade, víamos muito pouco. Eu tinha medo de ficar sozinha com meu pai, não fui ao meu médico ginecologista ou qualquer outro médico do sexo masculino.

Em abril eu e meu namorado, tivemos uma briga feia e eu fui chorar para um amigo de longa data. Ele veio até minha casa, como sempre vinha. Era umas 22h, estava chovendo e eu o convidei para entrar, ele queria ver meu álbum de formatura, estava em um escritório que é separado da minha casa, como uma edícula. Eu me lembro que estava usando uma calça jeans larga e uma blusa sem decotes. Então mostrei o álbum para este meu amigo, ficamos conversando sobre tudo, nunca tivemos nada, nem ele ou eu tínhamos demonstrado algo um pelo outro anteriormente.

Ele levantou-se de uma hora para outra (lembro-me que estávamos discutindo política), apagou a luz e me disse "a culpa é toda sua, quem mandou ser tão gostosa", me agarrou e me imobilizou( ele é policial, fez comigo como se faz a um bandido) tirou minha calça e me estuprou ali , na minha casa, eu não fiz nenhum barulho, tive me do de acordar meu pai e ele ter um ataque cardíaco, eu só pedia para ele parar , implorava e apesar de ser forte, eu não consegui me livrar eu sangrei muito , ele me machucou, por dentro e por fora. Ele terminou, saiu da minha casa e foi embora.

Eu fiquei perplexa parada sem ação, no outro dia ele me procurou me pedindo perdão, me disse que se eu o denunciasse ele perderia tudo, carreira, emprego( ele fazia direito na época). Eu disse que o perdoaria se ele nunca mais aparecesse na minha frente e se ele perdesse o contato com todos os meus amigos.

Depois disso fiquei doente, perdi 15 quilos (mas não fiquei magrinha, porque sempre fui gorda), tive uma crise depressiva, vomitava muito, não queria comer, tinha crises de dor de cabeça, não conseguia focar no trabalho, dava aulas em duas escolas, tive que deixar uma, porque não conseguia acordar cedo pois não conseguia dormir também. Beijei o meu namorado, tive relação com ele, mas aquilo me feriu mais ainda, eu tinha muito nojo quando o beijava, tinha medo quando ele me tocava. Tivemos relação 2 vezes em 6 meses de namoro, eu nem me lembro como foi, porque , como nos abusos, eu me ausentava naquele momento. Terminamos o pior namoro de minha vida, não por ele que tentou me ajudar, mas porque aquele namoro era o pós-estupro.

Enfim minha vida virou um inferno de novo, contei para minha psicóloga, que me tratava pelos abusos da infância, neste dia eu vi seus olhos encherem-se de lágrimas quando eu lhe perguntei qual era o meu problema, porque os homens têm que fazer isso comigo?

Eu sou gorda, estou 20 quilos acima de meu peso, faço isso porque quero, tenho medo de ficar "gostosa demais" e provocar um outro estupro. Minha vida amorosa é uma droga, apesar de gorda, sei que sou uma mulher bonita, consigo homens muito fácil, não me apaixono mais, não sei mais com quantos caras eu transei, muitas vezes eu transo e nem sequer os beijo na boca, transo e nem olho na cara deles, muitos deles eu não lembro o nome, também não faço questão de perguntar. Odeio minha vida, por dentro sou assim. Por fora sou uma pessoa extrovertida, alegre e quem sabe o que comigo ocorreu, acha que eu já superei. Bando de idiotas, como eu poderia superar algo tão horrível em tão pouco tempo, prefiro não falar, porque odeio e tenho nojo daqueles olhares de piedade, não quero que tenham pena de mim, não sou uma doente.

Desculpa-me pelo livro que escrevi, mas era necessário. Ler seus comentários em outros depoimentos me ajudou muito, espero que você também possa me ajudar e continuar avisando às mães imbecis que elas precisam cuidar de perto de suas filhas. Um abraço

Por favor, mantenha minha identidade preservada. Obrigada.

Minha cara e querida cara;

Desde que montei este blog, me assusto constantemente quando vejo que de 15 a 20 pessoas, em média mensal, chegam aqui buscando por “fui estuprada” no Google. Tem as variantes também: “abusada pelo pai”, “estuprada pelo irmão”, “meu avô me estuprou”... E pensar que tem gente que ainda desdenha desse tipo de violência, amenizando o impacto ou aliviando a culpa do agressor. Bando de idiotas imbecis do caralho!

E cada relato que é enviado para cá, me causa sempre o mesmo sintoma: reluto em ler logo de cara, leio trechos espaçados, fecho a mensagem para tentar reler dias depois. Faz um mês que me mandou seu e-mail e só agora estou conseguindo, de fato, escrever algo... Portanto: desculpe-me pela demora.

Que foda esse lance da sua babá, hein? Isso mostra mesmo que todo cuidado nunca é o bastante quando se coloca outras pessoas perto do seu filho, sua filha. Apesar de nova demais, você ainda lembra de detalhes acontecidos nessa época e que, inevitavelmente, voltam com outro peso com o passar dos anos, né? Esse estímulo precoce e invasivo à sexualidade, atrelado à agressão que sofria e ao sentimento de revolta por não se sentir amparada pela mãe. Só espero que tenha superado isso e que não faça relação entre esse período da sua vida e os demais traumas sofridos ao longo da vida... porque não há!

O que seu tio fez a você, por exemplo, não tem relação com o que você via quando criança. Foi uma infeliz coincidência. E o monstro foi ele e, novamente, o desleixo de sua mãe em não acreditar em você. Acho que é o que mais causa revolta depois do ato do filho da puta: ver que sua mãe não acreditou em você. O que custaria a ela levar a sério o que você disse? Custaria ter de agir, de se levantar contra pessoas próximas e “queridas”...

É o medo de acreditar na crueldade do ser humano e fingir que não existe parece ajudar a “esquecer” a sujeira embaixo do próprio tapete.

Me desculpe se falo com essa raiva da sua mãe, mas ela foi muito omissa, caralho! Como ignorar uma filha de 12 anos falando que o tio pegou em seus seios? Ainda mais quando essa mesma filha, anos antes, revelou que a babá transava com o namorado em sua frente. O mesmo se aplica ao boçal que te molestou no galinheiro. Como uma mãe escuta isso e ainda faz gracejo?

Por mais que a filha tenha um comportamento mais “atirado”, digamos assim, qualquer mãe tem a obrigação de ouvir e checar o que a filha está dizendo. Mesmo que seja mentira da menina: se for, que ela a puna por mentir sobre algo tão sério. E se não for mentira (na maioria das vezes não é), que a proteja e mande o crápula pro inferno com o pau costurado no próprio cu.

Mas é meio inevitável relacionar seus relacionamentos conturbados e os estupros a esses períodos na infância, não? Deve ter sentido culpa, que causou os estupros por ter sido vítima do que foi quando criança e adolescente. Novamente: não tem, viu? Não pense que se colocou nessas situações, que teve culpa do que te aconteceu ou que deu sinais para que isso acontecesse...

É natural que pense que os homens se aproximem de você apenas pelo sexo. E a maioria, de fato, o faz. Faz com você, com sua vizinha, com sua amiga... E é até normal, já que mulher também quer homem para sexo, sente vontade, tesão e precisa trepar. O que atrapalha é como tudo isso se desenrola. Pra você, por seu histórico, perde-se o fator humano visceral que precisa do sexo e fica-se apenas o fator emocional dos traumas.

Hoje, entrando nos 30, suas dúvidas são basicamente as mesmas de uma mulher da mesma idade e que não vivenciou essas violências, mas sobreviveu a namoros errados, a paixões equivocadas, a amores inexistentes e inseguranças cada vez mais reais e presentes. Claro que o que você viveu pesa, mas precisa aceitar que outras dúvidas que tem em relação ao sexo oposto é normal, independente do que sofreu. Tenho amigas que saíram com mais de uma centena de homens e são tão encanadas quanto você nesse quesito. Quantidade nunca é garantia de conhecimento.

Mesmo perdendo a virgindade aos 22 anos não é um fator predominante para sua falta de malícia para enxergar as intenções daqueles que se aproximam de você. Entendo que adiou a perda por causa de bloqueios emocionais, provavelmente, mas conheço mulheres que optaram por perder a virgindade mais tarde simplesmente porque não se sentiam à vontade. Também relaxe quanto a essa encanação.

O loiro lindo da praia se mostrou um monstro horrível, hein? Foi seduzida (o que é normal dentro de uma conquista), se deixou cair no momento e ele mostrou as garras. Quem está errado? Você, por tentar viver uma aventura e se permitir ousar? Ou ele, por abusar dessa inocência natural e frágil e te forçar através de intimidação? A pergunta é retórica.

O mesmo foi com seu amigo: ele se aproveitou da sua fragilidade emocional e agiu de forma monstruosa. Você mesma disse que estava normal, sem provocação ou insinuação. O que ele disse pra justificar é o mesmo que muitos usam: “quem mandou provocar? Quem mandou ser gostosa?”. Nojento, né? Patético o homem que usa isso. Nunca terão, de fato, uma mulher.

Esse tipo de homem é daquele que se borra de medo ao ser ameaçado por outro. Se for provocado em um bar, sai correndo chorando. Mas precisa auto-afirmar a masculinidade e usa mulheres pra isso. Ao agredir, se sente superior e compensa a falta de hombridade. E quando a casa ameaça cair, o que fazem? O que seu “amigo” fez: volta chorando, implorando perdão, se justificando em desculpas esfarrapadas, com medo das conseqüências. Claro: se um “machão” desse é preso por estupro, a galera da cadeia faz a festa. E aí ele não será mais tão machão, entende?

Esses casos todos te deixaram mais fragilizada e ainda mais descrente do ser masculino. Tanto é que tem até medo de qualquer presença masculina em sua vida. Isso também é natural... mas há exceções. Você está contando seu relato justamente para um homem. É sinal de que nem todos são iguais, certo?

Estamos em uma época onde é menos vergonhoso a mulher se ver vítima de uma violência física-sexual. Antes era motivo para se calar, mas hoje é uma razão para se fortalecer e cobrar o respeito merecido. Você chegou até aqui por ver que muitas passam pelo mesmo que você passou, sentem e sofrem o mesmo. E deve ter visto aqui, também, que passam a tratar o sexo como um negócio secundário, que prefere usar antes de ser usada. Tanto é que nem beijar você sente vontade na hora da transa.

Todos devemos nos odiar pelas coisas que fizemos ou deixamos de fazer ao longo da vida, mas sempre com uma dose controlada. Sinta raiva e use isso a seu favor. Sinta nojo, odeie ter se calado, revolte-se contra a omissão da sua mãe, deixe isso queimar numa madrugada em que acordou de um sonho alucinante. Mas controle isso, seja dona dessa raiva. Use isso para criar uma casca e não para secar a fonte que tem dentro de você. Use como chama que aquece a vontade de viver e não como fogo que consome o que restou dessa vontade.

Eu mesmo uso isso quase todo dia: me revolto comigo mesmo, me culpo por 90% do que me acontece, fico sem ter contato com gente por dias inteiros... mas depois eu volto, ciente de onde devo agir e o que devo analisar. Mantenha seu sensor de perigo ligado, mas ative outro senso: o do discernimento e da preservação.

Superar o que você passou não quer dizer que tenha de esquecer. Superar é você saber que isso te aconteceu e moldou muita coisa do seu caráter, mas não te fez o que você é. Seria pouco demais definir sua vida toda por conta disso. Você quer mesmo ser vista como “aquela que foi estuprada”? Não! Então pare de se ver assim, porra!

Você sente raiva dos que te olham com piedade porque você se olha assim e odeia a visão de si projetada no olhar alheio.

Pare de sentir pena de você pelo que aconteceu. Sinta raiva, revolta, nojo... Se imagine cortando o pau de cada um deles e enfiando nos respectivos cus. Sinta o prazer de desejar a morte deles com requintes de crueldade. Isso é saudável, eu faço toda vez que leio algum relato como o seu ou uma notícia parecida. Tenho guardado um quartinho no meu inconsciente só pra esse tipo de matança.

Está na hora de engolir o choro e sair por aí chutando alguns sacos...

Veja o resto do mundo como incapazes de passar pelo que você passou. Que muitos se matariam caso tivesse sofrido metade do que sofreu. Sinta-se superior por saber que, mesmo com esses traumas, você está seguindo a vida, tentando soluções para aplacar um pouco sua dor. Há quem se afogue em bebida, drogas ou remédios para passar pela vida de forma inerte e não-consciente. Você está fazendo isso de cara limpa, sem usar muletas que mascaram a realidade e a tornam mais fácil de aceitar. Isso o que você está fazendo, pra mim, é um ato de coragem foda pra caralho!

Se você não se enxerga assim, como o mundo poderá enxergar?
E se eu enxerguei, por que você não pode, porra?
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“Eram três rapazes, me arrastaram até o quarto e lá fizeram de mim a sua festa, o seu fim de noite”.

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores: 7 comentários

Querido Ogro:


Há cerca de 20 anos minha família se mudou para pra fora do Brasil e eu, sempre muito independente, fiquei morando sozinha com 17 anos. Um ano depois, em uma sexta-feira, eu e uma turma de amigos do cursinho nos encontramos em uma lanchonete dentro do shopping. Amigos dos amigos também vieram, eu não conhecia a todos ali. A noitada se acabou e fui pra casa.


Ao chegar no portão de casa não pude encontrar as chaves na minha bolsa, estranhei, mas achei que tivesse perdido. Peguei uma cópia escondida em um vaso e entrei. Mal coloquei os pés na sala e fui agarrada. Com as mãos na minha boca, ele me impediu de gritar. Eram três rapazes, três desconhecidos na minha sala, três dos "amigos" da lanchonete que haviam roubado a chave de dentro da minha bolsa em uma ida minha ao banheiro!


Me arrastaram até o quarto e lá fizeram de mim a sua festa, o seu fim de noite. Toda vez que eu tentava empurrar, ou gritar, sua navalha me cortava a pele... tenho cicatrizes até hoje por todo o corpo, em todos os membros. Logo que me jogou na cama, o primeiro dos três foi me pedindo pra eu tirar a roupa. Como não obedeci, levei a primeira navalhada quando ele rasgava minha calça. Foi muito bruto ao tentar penetrar na posição mamãe-papai... eu era virgem e me doeu muito mais do que eu imaginava que fosse doer. Ele foi breve, gozou muito rápido, e eu dei graças a Deus (Deus esse que eu nem acreditava existir, sempre fui atéia, mas naquela hora senti a necessidade de ter fé, eu queria viver...só isso).


O segundo já me queria de quatro. Esse então... me doeu a alma! E gritei e dá-lhe navalhada, e então chorei calada, até que ele terminasse... O terceiro não fez exigências e tinha pressa, tinha medo... eu também não tinha mais forças pra resistir e já tinha meu corpo todo retalhado. Ele foi breve e começou a ter uma crise de arrependimento e pedia aos outros dois para irem embora, já tinham feito o que era o "combinado" entre eles, era hora de ir. E assim se foram, depois de três horas me abusando, me machucando... me marcando para o resto da vida.


Quando os três se foram eu fiquei ali, por alguns minutos até que o carro deles fizesse barulho e eu tivesse a certeza de que eles não estavam mais por perto. Me vesti suja mesmo, de porra e de sangue fui até a esquina telefonar. Eu chorava muito e sangrava demais também.


Eu não tinha telefone em casa, então fui até o próximo telefone publico e liguei para meu namorado, ele então veio me buscar, me levou até uma delegacia onde dei queixa e passei por exames de corpo-delito, etc. Dois dias depois ele não era mais meu namorado, pois acreditava que eu havia mentido, que eu era safada, e convidei os três sujeitos para uma “festinha”. A polícia nada fez e o pai do rapaz o mandou para fora do país e ficou por isso mesmo.


Pouco mais de um mês após o estupro, não menstruei e, é claro, só podia pensar no pior. E o pior aconteceu: eu estava grávida e Deus sabe de qual dos três! Eu não tive dúvidas sobre o que queria fazer: queria abortar imediatamente! Não queria uma parte dele dentro de mim (sem pensar que a outra parte era eu, era meu filho também), não tinha estrutura emocional nem financeira naquele momento e, honestamente, não pensei nem sequer por um segundo que deveria ter aquele filho.


E sendo assim busquei a Justiça, para que conseguisse uma autorização com um juiz para fazer esse aborto de formas "legais". A coisa não aconteceu e não pude (nem queria) esperar. Eu mesma encontrei uma clínica clandestina e marquei um consulta. O lugar mais parecia um açougue, mulheres esperando pelo abate... terrível.


Sai de lá no mesmo dia e, uma semana depois, estava sendo internada em um hospital com uma séria infecção no útero, causada pelo aborto. Febre alta, dores, parecia que os "efeitos colaterais" daquele estupro iam me perseguir para o resto da vida, eu vivia um inferno e não conseguia sair dele.


Ainda senti o problema na pele quando, anos depois, tentei ficar grávida do primeiro filho e não conseguia. Logo pensei que estava sendo castigada pelo aborto que havia feito.
Sinto essa culpa até hoje, vou carregar comigo para o resto da vida, não ha nada que vá me fazer mudar de ideia... Mas não soube fazer diferente na época, portanto não condeno quem faz e sou totalmente a favor do aborto, porque quanto mais dentro da lei a coisa funcionar, menos riscos de problemas como a infecção que eu tive irão acontecer. Tem mulheres que nunca mais podem ter filhos por causa de abortos mal feitos.


Essa péssima experiência, péssima maneira de perder a virgindade (não que eu fosse casar virgem), me transformara na mulher que sou hoje. Uma mulher forte, mas não amarga. Aprendi a lidar com o trauma da maneira que mais me foi fácil seguir a vida sem permitir que esse "evento" me a estragasse.


Ao invés de me bloquear, me fechar para os homens, fiz o contrário: passei a literalmente “dar” pra qualquer um que eu tivesse vontade. O corpo pra mim é apenas um objeto (lavou tá novo!). Objeto de prazer, sim, mas sexo é apenas sexo, não confundo com amor, com respeito... essas outras coisas fazem parte da alma, não do corpo. Certo ou errado, foi assim que superei o trauma e funcionou pra mim, como se quando alguém bate o carro tem que dirigir logo pra que não fique traumatizado.


Eu queria apenas dividir isso no seu blog para que outras mulheres tenham coragem de falar sobre o problema caso tenham passado por algo parecido. Seja com você, com alguém de confiança ou com um terapeuta. Obrigado!


Minha cara e querida cara,

É sempre muito válido dividir isso. Vale pra você colocar pra fora algo que incomoda, vale como incentivo para outras fazerem o mesmo, vale para que outras abram os olhos e fiquem mais atentas para um problema que é mais presente do que imaginamos. Teu relato é forte, é real, não tem fantasia nem demagogia. E é isso que precisamos ver para realmente entender o quão foda é uma atitude tão mesquinha e cruel.

Me deparo com essa porra toda semana, seja via imprensa, seja por conversa com amigos e familiares: sempre tem algum imbecil idiota do caralho se auto-afirmando através do sexo forçado. E confesso que tem me feito muito mal, mais do que o habitual. Até mesmo filmes em que haja um estupro na história eu evito assistir. Parece que me machuco de uma forma como se estivesse sendo estuprado também. Sério: tá bem foda lidar com isso. Talvez por isso demorei tanto pra postar seu relato. A cada linha, eu sentia uma navalhada. Mas tenho sentido essas navalhadas há anos e cada dia machucam mais.

Tenho irmãs, mãe, sobrinha, amiga, esposa, colegas, conhecidas... e sempre penso nelas quando algo assim acontece. E a cobrança para que estejam fora de risco parece que cresce a cada dia. Seja num mercado, seja voltando da escola ou do trabalho, seja mesmo em casa. E fico até chato quando exijo atenção redobrada. Parece até que fiquei neurótico quanto a isso.

Tenho medo de uma nova geração que está achando normal e natural o abuso sexual feminino. Não que seja “normal” ver pessoas mais velhas concordando com isso de certa forma, mas ver homens de 18 anos achando que isso é comum me causa medo demais. E quando encontram eco em mulheres, então, quase me falta o ar, tamanha indignação.

Sim, tenho visto muitas mulheres culpando outras mulheres por causa do estupro sofrido. Tacham de tudo quanto é nome, como homens sempre fazem. Mas é horrível ver uma mulher legitimando uma violência assim. É como se aceitassem a condição submissa imposta por um bando de homens inseguros, impotentes e incapazes.

O perigo vem do lado, vem da rua de trás, vem do colega de escritório, vem do estranho na rua conhecida... Casos de estupros estão cada vez mais presentes, acontecendo onde antes não aconteciam e estão cada dia mais perto de sua casa. Mulheres são abordadas em estacionamentos de supermercados, em ruas movimentadas do Centro, em avenidas do bairro, em shoppings...

Mas por que isso acontece? Acho que tem a ver com um termo - e uma postura - que pensei ter ficado no século passado, no milênio passado, mas não, está mais vivo do que antes: sexismo. Mais fortalecido e mais presente até. E por que? Por causa da emancipação feminina, que volta a ser um levante social contra as mazelas impostas por homens? Por causa da submissão masculina, que faz homens se voltarem contra a pressão feminina?

Quem nunca ouviu que uma mulher estuprada “provocou por usar roupa curta de vadia". Quem nunca ouviu isso? Ao saber que alguma mulher foi estuprada, sempre tem um idiota que diz: "Ah, mas ela provocou" ou "quem manda usar essa roupinha assim? Homem é homem, sabe como é...".

Não, não sei como é, não.
Se isso é ser homem, eu sou qualquer coisa, menos homem, então!

E qual policiamento deve ser feito? A mulher deve evitar usar determinada roupa, evitar se colocar em situação de risco? Não acho que seja por aí. É preciso, sim, evitar se colocar em situações que a deixarão vulnerável a um abuso desse tipo. Mas mesmo assim, pode acontecer às oito da manhã indo pro trabalho, ao meio dia voltando da escola ou às seis da tarde indo ao mercado. É relativo demais. O limite deve ser imposto pela pessoa que usa aquela saia e que trafega por aquela rua e não por aqueles que a vê passar. Se for assim, uma mulher usando uma blusinha nunca poderá passar na frente de um muçulmano, então?

Há de se policiar, sim, o pensamento dos homens que pregam esse tipo de cultura. Quando uma mãe ouvir um filho falando que fulana é vagabunda, ela deve repreendê-lo, sim. Se ele fala isso, os outros falarão da mãe dele, da irmã dele, da esposa dele, da filha dele... e aí? Cresci ouvindo isso da minha mãe: que assim como eu posso falar das outras, poderão falar o mesmo dela e das minhas irmãs.

É preciso vigiar o pensamento sexista desde o embrião. A mãe tem obrigação de dar exemplo para o filho e para filha, mostrar como uma mulher deve se portar, sem ser submissa, sem ser rebaixada ou renegada, cobrando e impondo respeito. O pai tem o dever de mostrar como um homem deve tratar uma mulher, o que realmente é atitude de homem.

E isso serve pra você, minha cara: se a vida te deu três monstros para marcarem sua pele e sua vida, devolva ao mundo três homens de verdade. Seja um filho, um marido, um namorado, um amigo: você sempre pode “compensar” e mostrar que, mesmo apesar das cicatrizes, é possível superar e crescer com isso. Eu mesmo venho aprendendo muito com mulheres que passaram por isso. E a cada troca, cresço um pouco mais e amadureço muito em pouco tempo. Sei que você consegue fazer isso, mesmo que não se dê conta às vezes.

Sei também que, até hoje, pensa que muito da sua postura está ligada ao trauma que sofreu. Mas é preciso se desprender desse estigma de traumatizada. Rasgue o rótulo que você mesma se impõe na hora em que o sufoco aperta o peito e cala a garganta. Até eu uso desse artifício quando quero alimentar um lado “coitadinho” meu. É horrível e temos de tomar no cu por causa disso.

Uma hora temos de aprender. E sigamos tentando, pois. Apenas não deixe que uma mácula manche toda uma vida. É injusto com você e com os poucos que você permite te cercar. Por mais que eu odeie o ser humano e a humanidade (com motivos reais e fortes pra isso), sempre busco as exceções.

Sejamos, assim, exceções de nós mesmos.
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