Aniversário do Querido Ogro

Posted: | por Felipe Voigt | Marcadores:

Quando um blog muda sua vida sem te mudar... é assim que defino meu "Querido Ogro".

Em 2010 criei este blog depois de uma boa experiência despretensiosa no Formspring.me. O pessoal me perguntava coisas, eu respondia da minha maneira e a brincadeira seguia. Muitas dúvidas sobre relacionamentos e sexo, obviamente. Gosto de falar sobre esses assuntos, são os que mais geram debates e os que mais revelam como as pessoas são. Quer conhecer alguém? Saiba quais conceitos ela tem sobre relacionamentos e o que ela esconde sobre suas aptidões sexuais.

Até que um dia alguém quis me mandar um e-mail com sua dúvida. Me pediu pelo Twitter. Recebi o e-mail e achei bacana respondê-lo em um lugar público, já que outras pessoas poderiam ter a mesma dúvida. Não queria publicá-lo no "Questão de Ordem" por não se encaixar na minha desconexa filosofia para aquele espaço e pensei: por que não criar um outro espaço específico para isso?

Assim nasceu o Querido Ogro... um nome baseado num apelido tímido que ganhei de algumas pessoas devido ao meu modo peculiar de ser, recheado de palavrões e com uma pitada bem dosada de grosseria e\ou mau humor.

Me encontrava no meio de um começo, dois meses antes havia completado 28 anos e tatuado dois conceitos no meu pulso direito – mão que escrevo - em forma de deuses egípcios: Maat, deusa da justiça, e Thot, deus da sabedoria, deus da escrita. Dois conceitos que trago comigo e que, acredito, me fizeram criar o blog. Uma deusa mulher e um deus lunar. Justiça e sabedoria através da escrita. Não foi por acaso.

Dois anos depois, mais de 70 textos publicados, uma média de 200 visitas por dia, centenas de e-mails recebidos – muitos não respondidos ou apenas respondidos via e-mail mesmo - e meu blog se tornou algo bem diferente do que foi no começo. Mensagens sérias sobre violência e abuso contra mulheres e crianças, situações que me deixam sem resposta na hora em que leio e me proporcionam uma enorme vácuo no peito e na garganta. Muitos levo semanas para conseguir responder algo que possa confortar, ao menos, naquele momento.

Não é fácil. Quase sempre um “por favor, me ajude” ao final da mensagem me abre uma crise de choro que me faz mal. Acho que sinto o peso desse pedido de ajuda e nunca me sinto apto realmente a ajudar. É foda conseguir dizer algo que traga alívio e esperança e possa realmente suscitar uma mudança de postura, comportamento e pensamento sobre o mal que aflige aquela que procura nas palavras de um desconhecido virtual um pouco de conforto.

Ainda mais eu, tão cheio de ceticismo quanto ao ser humano... a minha sorte foi ter encontrado uma exceção para me manter respirando. Não fosse isso, eu fatalmente teria desistido do blog. Pode parecer exagero, mas não ter com quem debater o que recebo sempre me deixa abatido demais, sem me sentir seguro para conseguir responder. Mesmo um porto precisa se aportar e consegui encontrar um.

Quando vejo quais termos levaram as pessoas a encontrarem o blog, me sinto mal também. Em média, 30 pessoas por semana entram pesquisando apenas por “fui estuprada”. Depois vêm as variantes: abusada pelo pai, estuprada pelo tio, meu avó me estuprou... E ainda há absurdos do tipo “como estuprar minha mãe” ou “estupro de mulher divorciada”. E você acha que o mundo que apresento é fantasioso. É...

Pois é... triste de você que pensa que essa realidade não faz parte do SEU cotidiano. Olhe ao lado e veja quantas mulheres passaram por sua vida e nunca sequer deu abertura para que pudessem contar a você algo parecido? Acredite: elas sentiram falta de dividir isso, de tirar um pouco daquele peso da alma. E você sequer deu atenção.

No começo, me lembro bem de ouvir que os e-mails eram inventados por mim... “Duvido que alguém faça isso: contar seu pior problema a um estranho que só fala palavrão e xinga”. Era o que mais ouvi certo tempo. Pessoas que nunca imaginei acessar o blog me diziam isso pessoalmente, achavam um absurdo uma irmã ser estuprada pelo irmão ou um pai engravidar a própria filha. Não sei se era a ignorância de ver o mundo ou o medo de acreditar viver num mundo assim.

Mas me segurei, consegui superar os entraves através de muito choro, bebida, reclusão e disputa interna. De alguma forma, ao sentir a dor do desabafo consegui sentir suas dores e entendê-las um pouco. Ao menos compreender. Não tenho olhar de piedade tampouco dedos apontados. Você passou por um trauma? Ok... mas isso não te faz uma pessoa traumatizada. Não a tratarei assim, pois.

Hoje estou numa luta em busca de publicar um livro com essas histórias. Pois o grande diferencial do Querido Ogro não é o que escrevo: é a coragem que muitas tiveram em se expor e acreditar que um simples desabafo faria diferença. Chega a soar como um último sopro de vida antes de desistir dela. Talvez uma obra impressa possa ajudar outras pessoas. Sempre é um descarrego saber que não é a única a passar por situação semelhante. E estamos aqui, todos buscando obter resposta e um pouco de ar no peito.

Neste aniversário, os parabéns não são para o blog. São para você que conseguiu superar o medo e criou coragem de escrever. Enfrentou seus monstros mais uma vez e os perpetuou fora da sua memória, em uma folha branca de papel virtual. Parabenizo você que rasgou seu último vestígio de dignidade e jogou no Google a pior coisa que te aconteceu, na vil esperança de encontrar algo. Assim você encontrou outras mulheres como você e viu que nisso poderia encontrar forças para se sentir menos estranha, menos aberração, mesmo sabendo que a aberração é aquele que te causou tal mal.

Nunca quis me tornar paladino de nada. E não me tornei. Nós nos tornamos: esse espaço é para colocarmos o mundo à parte e podermos ser o que realmente somos, cheios de medo, dúvidas, frustrações, cansaços e desilusões. Mas ainda queremos viver, sentir o gosto e o entorpecer da vida.

Estamos aqui... continuaremos aqui, buscando enfrentar esse mundo machista, opressor, repugnante e arcaico. Somados, somos uma legião. Ainda enfrentaremos algozes, encontraremos novos integrantes, passaremos por tristes tormentas sozinhos em nossos travesseiros, embaixo de nossos chuveiros, derrubados em nossos sofás. Mas saberemos que ao menos em algum lugar alguém poderá nos entender e não nos recriminará. E isso trará alívio e gratidão.

E não há recompensa maior do que um simples “obrigado” repleto de gratidão.
Por isso os parabéns são seus. E o obrigado é todo meu. Meu muito obrigado por tudo.


(A imagem que ilustra: "O Pecado de Nora Moran"... uma próxima tattoo que farei, em homenagem à todas minhas meninas do blog... a imagem é uma poesia e apenas nós a entenderemos, certo?)

5 comentários:

  1. Tatiana Pinto disse...
  2. Olá Querido Ogro, como já te disse, conheci seu site por acaso e acabei gostando de sua forma simples de falar mas que atinge sempre aquele ponto que quase nunca queremos ouvir.
    Parabéns, por se dispor a ajudar essas pessoas que te buscam com tanto despero. E desejo pra ti mais calma e serenidade quando se deparar com esse problemas tão complicados.
    Muito sucesso!!! bj

  3. Renata Fagundes disse...
  4. Pois é, se fosse um verdadeiro OGRO, não seria QUERIDO.

    PARABÉNS pelo aniversário do site!

    Quero ver foto da tato...sou apaixonada por tatuagens.

    grande beijo

  5. Anônimo disse...
  6. Muita honra ter alguém como o Felipe como amigo. Muita honra e um peso do caralho!
    AMO esse rapaz e admiro este "trabalho" voluntário de dar pitacos e oferecer ombro a quem precisa. Incontáveis as vezes que eu mesma procurei este ombro.
    Essa habilidade nata do Fe de conhecer da vida, de analisar as pessoas e fatos muito claramente e conseguir falar disso sem travas na língua, sem pudores, sem dedos, não tratando ninguém como coitado, é um dom realmente especial.
    Já chorei muito aqui, lendo relatos, me colocando no lugar das vitimas, dos envolvidos.. foda, muito foda.
    Sei como isso tem um impacto no Felipe, já vi de perto e às vezes a dor é tamanha que impede que ele escreva... Mas ele luta e determinado em confortar,de alguma maneira, quem o procurou, ele responde e responde com maestria que muito profissional não responderia.
    Não há técnica psicológicas, há empatia... tanto por parte do Felipe, quanto por parte das pessoas que comentam e dividem experiências.

    Muito orgulho de ter voltado para sua vida quase junto com o nascimento deste blog... Não teria como eu não vir aqui te parabenizar e pedir: Continue sempre e mais... isso é muito importante para "suas meninas" e para mim, que não deixo de ser uma delas.

    Vc é pesado, mas a gente aguenta.

  7. Evelyn Paparelli disse...
  8. Parabens meu Querido Ogro!! Agora que sei como tudo surgiu entendo melhor esse caminho que voce segue...deve realmente ser muito difícil e duro para voce ler certas coisas, esse pedido de socorro que as mulheres jogam sobre ti, mas tambem deve ser tão gratificante saber que muitas como eu "saem" daqui uma outra mulher! Parabens, e mais que isso, OBRIGADA! Esse aniversario é seu, seu blog é tremendamente importante e os temas que aqui chegam deveriam ser abordados com muita seriedade por outros meios e órgãos...quem sabe um dia? Enquanto isso só posso continuar parabenizando voce pelo seu trabalho e te dando meu total apoio! Mais uma vez obrigada e parabens.

  9. Anônimo disse...
  10. Ogro querido, hoje em dia é muito difícil ter alguém que disponha do seu tempo para ouvir o “outro” ainda mais esse “outro” sendo um estranho ,pra tentar ajudar de alguma maneira a superar sua dor, suas mágoas, seus desafetos!
    O Ogro nasceu do seu coração imenso, da sua vontade de fazer diferença num mundo cruel, num mundo que os seus valores estão completamente invertidos, tenho total admiração por você, que venham mais 2,12,20 anos do “Querido Ogro”, que você continue fazendo o que você faz, ajudando o “outro” , que você tenha forças pra achar essas repostas que você tanto procura!
    Desejo muita sorte, que o Blog venha se tornar um Livro, talento para isso você tem.. Quem sabe um dia isso não se torne realidade? Eu acredito!
    Abraços
    Bella!

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